domingo, 23 de novembro de 2008

invasão consentida

Chegou assim, sem falar nada. Mudamente, como se sempre estivesse estado ali, sentou-se no sofá da sala. Sentou, esticou as pernas, ligou a televisão (e ainda escolheu o canal). Cansada da TV, procurou o som. Espalhou meus discos, prateleira tão organizada. Trouxe, assim, música para os meus dias. Trilha sonora calada, canção de ninar para os sonhos. Foi até a cozinha, abriu as panelas, deixou as gavetas abertas e me disse o que queria para o jantar. A sobremesa? Por sua conta. Doce, infinitamente doce, açúcar aliviando a tensão dos dias amargos. Cansada da longa viagem até onde estamos, foi tomar banho. Tomou, usou meu sabonete e estendeu a sua toalha sobre a minha. Fiz a cópia das chaves, assim você nem precisa bater. Simplesmente entra, sem pedir sequer permissão para permanecer.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

viagem astral

Dias são anos, ou anos são dias? Há dias te encontrei. Há anos te conheço. Idéias palavras, conversas (ainda que mudas). Um trem, um destino, a primeira viagem. Um pretexto para mais uma tarde. Longas horas (sempre tão curtas!). E a viagem? Calçadas, ruas, um museu e um transatlântico que sumiu. Imagens, lembranças. Retorno. Outro trem. Músicas falam mais e o silêncio grita. Voltamos. A mesma cidadela, o mesmo cenário. Novas horas, porém. A minha viagem, a sua viagem. Enfim, a nossa viagem.

Leandra

Você chega e nem fala nada. Olhares vagos por aí, algum lugar, palavras perdidas ou, encontradas. Encontradas por quem as espera e, sobretudo, entende a busca. Minha e sua? Só sua , só minha? Os caminhos são distintos, os objetivos parecidos apesar de toda a diferença. Não há nada que nos faça igual e sobretudo há algo que nos une. São sentimentos, sensações, idéias. Tudo muda quando estamos perto. Proximidade essa que não sou capaz de compreender. Porque conheço somente aquela que os laços de sangue me deram ou que os vazios laços de amor me proporcionaram. Reconhecimento de almas? Talvez, quem pode dizer o contrário? Sei que te conheço. E, o que desconheço, a cada dia me faz querer conhecer por completo.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

por mar ou terra

Ora piscina cheia, ora tanque seco, vazio completo. Emoções que transbordam, vazios que me inundam. Ando ou nado por aí. Nunca sei, o tempo muda tão depressa, o rio sempre enche tão rápido. Na bolsa carrego sapatos ou nadadeiras. São sempre úteis para explorar meus caminhos solitários ou as minhas enchentes de emoções. Emoções que extravasam. Transbordam o enorme tanque da minha alma. Tanque raso que esgota a mesma água que transborda num instante. Minhas ruas são canais. Meus canais são calçadas pedregosas, mal acabadas. Mas, imperfeitas ou não, insistem em apontar-me caminhos. Sigo, mas me perco. Me perco e me encontro. Me encontro por aí, trocando passos com estranhos ou velhos conhecidos imaginários, tropeçando nas minhas próprias pernas, cadarços e nadadeiras. Sou nada mais que um grande emaranhado de galerias pluviais, fluviais, eu que sei. Não sei suas classificações. Sei que não me encontro. Sei que me encontro. E, sobretudo, sei que sou sempre eu. Sempre a mesma percorrendo os caminhos do mesmo velho cenário.

cárcere privado

Complexidade inútil que me persegue. Perseguição que me assombra. Por que é preciso sentir? Não quero mais o dom de mergulhar na complexidade alheia. Já basta a minha própria. Sempre de olhos fechados, tateando às cegas momentos que esbarram em mim. Momentos e caminhos que não são meus. Esbarram e me derrubam, tamanha é a intensidade do choque. Choque que me choca. Choca ou deixa estáticos os meus sentidos. Choque de luz para os meus olhos. Luz demais também cega. Claros e escuros, olhos turvos. Vejo, então, para dentro. Obrigada a olhar para dentro de mim. Não sei se gosto do que vejo. E, se gosto, não sei se compreendo. Me imaginava mais forte. E, agora, o que eu vejo de fato? Vejo um vulto de uma alma apressada em se esconder. Se esconde de que? Não sei. E nem ela sabe. Alma pequenina, torpe menininha. Reflexo da carne. Logo, também é cega. Turva como meus olhos. Fechada na escuridão de mim. Debate-se num emaranhado de veias. Afoga-se no meu sangue. Sangue que a mata e também a deixa viva. Abro, forçadamente, os olhos, janelas da minha alma. Arregalo-os. Será que alguém pode ver a pobre alma que se debate?

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

mantras

Frases de mãe. Repetições, são tantas. Palavras, espécie de mantras que incorporamos. Tudo isso julguei inútil. Nunca - pensava comigo - vou fazer igual. Hoje tive febre. E agora estou sozinha. Ninguém para me levar ao médico, ninguém para medir a temperatura ou lembrar o horário do remédio. No entanto, involuntariamente, com uma sapiência de quem não estudou, mas traz a ciência nos poros, eu repito os rituais de minha mãe. Banho morno - não pode ser muito quente - para baixar a febre. Muita água para hidratar o corpo que, suado, experimenta estar abandonado. Me arrumo, saio da cama. Repito as antigas repetições. Cama arrumada, corpo limpo, olhar desperto. Apesar da distância, encontrei mais uma forma de trazê-la, em pensamento, sempre perto.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

proteção mútua

Se você estivesse aqui, certamente, estaria melhor. Meus dias seriam preenchidos pela presença única que você representa. Teria com quem dividi-los. Haveria, também, com quem dividir o peso das horas. Não mais navegaria as minhas lágrimas sozinha. Nos dias felizes, sairíamos juntas. Você iria gostar das praças daqui. Sentaríamos à sombra de uma árvore e ficaríamos ali, na mudez de uma tarde. Sei que você não gosta de caminhar sob o sol. Mas, aqui, venta bastante, não esquenta tanto. Você só não iria gostar do inverno, chove muito. Mas aí poderíamos te comprar sapatinhos. Aqui você também pode dormir bastante. Dormiríamos juntas a siesta, nos faríamos companhia. Queria que você estivesse comigo. Eu te protegeria da chuva e te acordaria nos seus pesadelos. E você me protegeria do mundo. Não mais haveria solidão.

doce mel

Hoje estou com saudades de você. Todos os dias estou, é claro. Mas hoje, especificamente, queria – ou precisava – te pegar no colo, minha doce "menina". Queria te abraçar, olhar nos seus olhos – profundo olhar que ninguém é capaz de compreender. Queria brincar com você e retomar meu lado criança, como só você é capaz de fazer. Queria te arrumar, cuidar, arrumar seu "cabelo". Só eu entendo e, só você é capaz de me entender. O entendimento é mudo, plenitude sem palavras – elas são desnecessárias. Ninguém seria ou será capaz de entender cada linha do que digo. Nem mesmo você, querida menina alheia às palavras. No entanto, não cansaria de repeti-las, mesmo que mudamente, imersa num silêncio – e cumplicidade – profundo. Silêncio que fala e que, como tudo, só nós conseguimos entender. Amigas? Não. Somos, talvez, o mesmo universo. Universo particular meu e seu. Companheirismo único, incompreensível aos olhos vazios de quem, apenas, observa. Sinto falta de ti, doce pedaço de mim que ficou. Queria estar contigo, agora, "menina Mel".

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

misteriosamente viva

Olho as pessoas, observo o mundo. Um dia, me falaram que Deus nos deu dois ouvidos e, apenas, uma boca para que nós pudéssemos falar menos e ouvir mais. Eu, como boa falante, sempre contestei essa afirmação dizendo que ele nos deu uma boca grande, todavia. E que, então, ela equivale ao nossos dois ouvidos, pequenos orifícios. No entanto, intimamente e com uma ingenuidade infante de quem acredita ter descoberto o mundo sozinha, eu sempre contestei a mim mesma: a boca só é grande para que possamos comer. E, se o alimento é o que nos mantém vivos, o tamanho da nossa boca é proporcional à nossa vontade de viver. Pois bem, voltando. Tenho observado muito o mundo, o que me permite, finalmente, compreender o que dizem sobre os ouvidos, a boca e, também, confirmar o que, internamente penso sobre essa gana de viver (e de comer). Aqui, somente escuto, vejo e como. Falar, não falo. Começo, então, a acreditar que não temos uma boca. Mas, sim, duas mãos para falar. Mãos que estão a serviço da palavra. Aqui, minhas mãos vivem escravas das impressões dos meus ouvidos e olhos. Expressões transformadas em símbolos, traduzidas em palavras. Observadora de um mundo que me expulsa e, também, me acolhe. Não o compreendo. Apenas o escuto, enxergo e, gloriosamente viva, o mastigo. Tamanha é a minha ânsia de viver.

sábado, 4 de outubro de 2008

novos dias

Num banco, entre dois limoeiros e com cinco dias de atraso, venho escrever. Cada dia de atraso, no entanto, representa um dia de muita importância. Hoje faz exatamente uma semana que estou aqui. Sem dúvida, uma semana inesquecível sob diversos aspectos. Deixar o Brasil, Curitiba, casa, família e amigos é uma decisão muito fácil e, até, bastante sedutora. Porém, o que não é nada fácil, é bancá-la. E, por mais que muitos sejam os motivos pelos quais nos convencemos a ir embora, muito pouco eles, de fato, representam quando chegamos ao nosso destino final. Durante esses dias, pude conhecer um pouco mais da Maria Augusta que me habita. Mais do que conhecer Pontevedra, a Espanha ou a Europa, essa viagem está sendo, é e será um encontro, uma viagem a mim mesma. O "velho continente" será apenas o meu plano de fundo. E, da mesma forma que não conseguirei desbravar em sua totalidade as terras européias, sei que não conseguirei me conhecer por inteiro, ainda. Tudo o que pensamos ser, o que imaginamos sentir ou as previsões que fazemos, são nada perto do que, de verdade, somos. E só descobrimos cada parte do que somos quando temos que viver e dar conta das nossas próprias reações, por mais inesperadas que elas sejam. Passado, então, o desespero inicial desse encontro comigo mesma, agora posso dizer que estou me inteirando de tudo por aqui. São muitas coisas para pensar, muita coisa para olhar e muitas são as dúvidas que sempre me chegam. Coisas da vida, afinal. Aos poucos vou, também, aprendendo a controlar o desespero, a assimilar o choque de cultura, língua e tantas outras diferenças que me afligem. Hora de ser forte e crescer. Todo dia é um novo dia.

andanças

Pontevedra é cheia de praças, uma mais bonita que a outra. Todos os dias ando um pouco mais para conhecê-la. Semana que vem meus horários entrarão nos eixos. Por enquanto, limito-me a acordar, comer e passear. E, quando a saudade aperta, é hora de andar por aí e sentar em algum lugar para escrever. Já percebi que não sou muito boa com diários. Não consigo descrever rotinas e lugares sem deixar que meu interior interfira no relato. Talvez por, como já disse, estar muito mais num processo de auto-conhecimento do que conhecendo, de fato, a cidade. Todos os dias aprendo um pouco mais com a minha própria solidão. Saio a noite, conheço pessoas, jantares e almoços sempre cheios de gente. Tudo tão cheio e tão vazio. Aqui experimento a sensação de ser nada mais do que um corpo estranho. Vago por ruas que desconheço, falo uma língua que não é a minha. Clarice tem sido a minha companhia constante. Por maior que seja a coincidência, o único livro dela que encontrei chama-se "Aprendiendo a vivir". São muitos contos da sua infância e das suas impressões tão ingênuas. E é, justamente, como essa menina Clarice que eu me sinto. Uma menina perdida num mundo gigante. Aprendendo, sozinha, o prazer e o enorme desprazer da solidão. No Brasil, por mais longe que estejamos de casa, ainda temos a nossa língua, o nosso país, o nosso lugar. Aqui não. Tenho duas malas de roupa e alguns objetivos. Objetivos que perderam a razão de ser em meio a tantos sentimentos misturados. Como disse Clarice, um dia, tenho apenas o prazer e o privilégio de estar viva. E, delicadamente viva, como, caminho e durmo. "Sozinha observo melhor as cores". De fato, tenho podido observar melhor as minhas cores. Não deixarei, então, que a minha alma torne-se cinza.

meus dias

Todos os dias um novo ciclo, mais um começo. Abro os olhos devagar, como quem tem medo de deixar o dia entrar. E, de fato, tenho. É sedutora e convidativa a idéia de voltar a dormir, fechar os olhos e imaginar que a cama é a minha, que o quarto é o meu. Doce engano de poucos minutos. O travesseiro, vilão das minhas noites, não me deixa esquecer que os pesadelos são parte da noite de quem dorme. Todos os dias me expulsa para fora da cama e me desperta no susto. Lavo então o rosto, para que a água se misture com as lágrimas e disfarce o rosto molhado. Logo vou tomar banho, e esperar que o chuveiro me afogue.

longa caminhada

Caminho por aí. Durante o trajeto, sem rumo, só vejo pernas e pés que, quase, me atropelam. De cabeça baixa, só olho para o chão, não posso me perder no caminho. É preciso olhar com atenção para saber voltar. Porém, caminho sem olhara para trás. Dessa forma, evito o risco de obedecer ao impulso de querer voltar. Ando sozinha, tropeçando nos meus pensamentos e na minha própria solidão. A cidade é pequena e eu sou menor, ainda. Tão pequena que ignoram a minha existência. Ninguém me acompanha no trajeto, ninguém me dá conselhos ou oferece ajuda. Curo meus medos e desesperos sozinha. Abafo o choro ou choro alto, desesperadamente. Tanto faz. Ninguém escuta ou percebe que eu choro.

domingo, 14 de setembro de 2008

bella menina bella

Amigos são aqueles que nos acompanham, mesmo quando não estão por perto. Pessoas importantes são aquelas que, independente do tempo, da distância ou do mundo em que vivem, carregaremos sempre em nossos corações. Você, doce anjo dos cabelos loiros, é dessas pessoas que se fazem, sempre, importantes. O tempo, a distância e, até, o mundo nos separou. Mas, ainda assim, o que importa é tudo o que ficou. Guardo no mais profundo silêncio as minhas mudas e doces lembranças. Ao seu lado, ainda sou e me permito ser, criança. Salvaremos as baleias juntas, tomaremos água de côco e cansaremos nossas pernas sobre os pedais da bicicleta. A praia será sempre pequena demais para nós duas. Por você, deixarei de salvar só as baleias. Salvarei, também, o mundo. Tomarei as suas idéias como minhas e, assim, para sempre você viverá em mim. Estique a sua mão, toque a minha, voaremos juntas, um dia?

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

check-in

Despacho a mala, envio um pedaço do meu mundo. O outro pedaço, mais tênue, mais invisível (porém, não menor), vai comigo, preso ao meu corpo, agarrado aos meus pedaços, infiltrado nas minhas células. Apesar do seu enorme tamanho, ele é apenas um ínfimo pedaço de tudo o que deixo. Uma parte de um todo infinito, infinito de lembranças. Lembranças que não cabem nesse novo mundo, que não podem embarcar. Pisarei na sala de embarque como quem pisa em algum terreiro sagrado esperando por um ritual. Voarei livre e leve, limpa do lodo que me segurava e das lembranças que não queriam me deixar partir. Finalmente, soltarei as minhas amarras.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

querer

Eu queria escrever pra você. É, eu queria ou precisava escrever pra você. Queria te contar, te dizer, nos bem dizer. Queria abrir meu mundo, mostrar meus segredos. É, eu queria. Queria ou precisava dividir com você. Dividir tudo, vasto mundo que me persegue. Queria saber dizer o que sinto, o que penso e, até, o que choro, pelo que choro. Queria saber ou queria poder. É, eu queria ter o poder de falar tudo, liberar tudo, soltar a língua, desprender as amarras. Eu queria entender sua língua, falar no mesmo tom, decifrar os mesmos códigos, teus códigos. É, eu queria decifrar você. Eu queria invadir, mergulhar na sua praia, escalar a mesma montanha. Queria invadi-la ou vivê-la, ainda não sei. Queria misturar sua cultura, entendê-la e tomá-la como minha. É, queria curar suas dores. Queria ser ou queria poder ser o remédio, ópio de sua alma. Eu só queria ser tudo o que você espera. E ainda quero.

domingo, 31 de agosto de 2008

encontro astral

Escondida do mundo e de tudo. Réstias de sol, teimosas, invadem o quarto escuro que me abriga. Fecho os olhos para que, além da virgindade negra do quarto, a luz doce do sol não invada meus olhos. Fecho e me fecho. Abraço as minhas pernas, dobro meus braços, abaixo a cabeça. Casulo em mim mesma, fechada, lacrada, para não sentir o toque quente do sol de inverno. Me protejo, me tranco. Mas, o sol é insistente. Arromba a porta, me arromba e me faz única. Lua confusa, sonhando com o eclipse que me levará, mais uma vez, de encontro ao sol.

sábado, 30 de agosto de 2008

não viver

De tudo aquilo que sinto, só posso entender o que não consigo sentir. De todas as coisas que espero, só posso pedir aquilo que jamais poderei ter. Caminho pelas pernas que meu corpo não sente e vivo a vida que não me pertence. Fantoche estático, sem movimento. Fetiche de um destino mimado e birrento. Dentre todas as coisas que vivo, “me gustaria” muito viver aquelas que não poderei viver pelas limitações do tempo ou imposições de um destino cruel. De tudo aquilo que sou, sigo uma trilha qualquer. Ora perdendo-me e, quase sempre, esquecendo-me.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

silenciamento

O silêncio impera e dilacera. Rasga o barulho e a inquietação de nós mesmas. A câmera é fria, o microfone insensível. E o teclado, apesar de tantos toques, desconhece o real sentido do tato. Os olhares não se cruzam, cruzam as câmeras. Câmeras que não nos entendem. A mudez dilacera e impera. Perguntas mudas, respostas caladas. Repito, apenas, as músicas que se sucedem. Deixaremos tudo crescer, até romper a manhã. E quando o sol, tal qual seu nome, cegar-me com seu brilho.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

pedaços celestes

Caminho olhando para o chão, procurando pedaços que me faltam. Ora mancando, ora me arrastando, vivo buscando. Ansiando encontrar tudo aquilo que perdi, que roubaram ou, até mesmo, que nasci sem. De todas as deficiências que me cabem, a única que não me deixa é a incansável vontade de amar. E é isso que me faz, muitas vezes, mudar o foco do olhar. Por ora, paro de olhar para o chão e avisto o céu, infinito de graça e beleza. Olho e procuro as pernas, os braços e os corpos das estrelas para integrar ao meu próprio corpo. E então, finalmente, poder olhar pra frente.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

(ir)realidades

Imaginação traiçoeira, não te mostrou para mim como de fato era. Imaginei, sonhei, pensei. E, confesso, fiz pouco caso das sensações que me chegavam. Vi e não te vivi. Não sonhei e, até, não quis. Doce engano o de não te querer. Dilacero-me então, pelo desconserto de tudo o que se mostra. Tudo tão diferente e real. Tudo vivo dentro de uma realidade não inventada. Mas, sim, sentida e procurada. Me invento, te busco e me esqueço, então.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

dimensão

Sentirei falta de tudo aquilo que não puder levar. Sinto falta, agora. De tudo o que não pude carregar. O que me faz falta é tudo o que eu não posso sentir. As palavras que não posso ouvir, o olhar que não posso cruzar, o corpo que não posso tocar. Portas não abrem, os trincos não cedem. O país não diminui. E eu observo. Observadora constante, debruçada nas janelas da minha alma.

Ás-sim

A-bafo.
Ex-conde.
Re-colhe.
A-guardo.
Com-sumo.
Ah-bafo.
Dê-novo.
Má-sã.
O-mito.
Cria-dor.
Cai-chão.
Fé-chô.
Sim-tô.
Gira-sol.
Sol-tá.
Dói-dá.
Com-vivendo.
A-mando.
Mar-ia.

flor de maracujá

Corpo acetinado, morena em flor. Pétalas simétricas e, ainda, únicas. Simetria assimétrica. Desenho único, esculpido pelo erro da imperfeição. Perfume cítrico, maracujá em flor. Tem o verde como cor. Saliva doce, mel da fruta, néctar. Gosto em flor. Reinado único, onipresente, coroa em pétalas. Rainha-flor.

toque constante

Chegada. Encontro. Olhares. Surpresa. Dia claro, sol a pino. Cidade quente, forno de concreto. O tempo passa, atropelando os momentos e as etapas. Quebrando meus protocolos. Não há tempo para pensar. Os dias corridos não me interessam. A voz doce e suave que escuto não é aquela que pretendia ouvir. É outra, ainda melhor. Canto mudo, palavras abafadas. Não há o que dizer. As palavras chegam à língua, e ela se recusa a falar. Terras, oceano e tempo brigam com o destino. Destino, por si só, contraditório. Controvérsia em mim mesma. Fecho os olhos, procuro abrigo na escuridão. Esqueci de proteger os ouvidos. A música ainda toca. E me toca, profundamente.

abrigo escuro

Eu vou embora, logo vou. Dentre tudo o que eu sinto, o que mais me dói é não poder sentir. Queria viver o que o destino me priva. Queria gritar o que a minha garganta não berra. Queria ouvir o som que meus ouvidos não decifram. E meus olhos, ah os meus olhos. Só queriam avistar a imagem que insiste em turvar a minha retina. Fecho os olhos, então. Para ver e sentir. Para driblar o destino. Ludibriar meus ecos. Enganar meus ouvidos. Corro, vejo. Ouço, viajo. Grito, ecôo. Eco louco, desenfreado. Bate nas paredes da alma, nos tecidos do corpo. Escuto-o. Finalmente sonho.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

queda livre

Passeio pelo mundo, desligada. Paro numa esquina, sento num parque, escalo árvores, monto nuvens. Me jogo de um prédio. Pane no pára-quedas que me segura. Não sobra nada. No chão, um punhado de sonhos, ilusões, idéias. Logo ali, adiante da queda, o sonho de um mundo melhor. Um pouco à frente, a ilusão de uma vida simples, sem medos. E, esparramado por todos os lados, o medo. Medo de viver, de sonhar, de lutar. Mas, sobretudo, o medo de amar. Maior que todos os outros. Maior e mais forte, até, que a própria vida. Por isso caí. O medo me empurrou.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

todos os dias

Ensaio palavras. Começo a escrever, engulo tudo, apago. Escrevo cartas, verdadeiros tratados. Palavras profundas, sentimentos que transbordam. Mas, que de nada adiantam. Escrevo mas não envio, guardo, sufoco. E o que não digo, fervilha dentro de mim. Ebulição constante que me queima e arde. As palavras chegam à boca, atingem as pontas de meus dedos. E, numa loucura compulsiva, marcam o papel. Mas, como sempre, amasso a folha, atiro-a ao lixo. E espero. Espero ser lida sem mostrar o que escrevo. E espero, ainda, que meus tratados mentais cheguem a você. Senão pela escrita, pela intensidade com que sinto, penso e me torturo. Todos os dias.

domingo, 3 de agosto de 2008

ballet mórbido

Bailarina-trapezista, preparo-me para o espetáculo. Fecho os olhos, estico meu braço, alcanço a barra firme do trapézio e solto-me. Libero o corpo e me sinto leve, quase posso voar. A sensação de vôo livre que me invade é tão grande que chego a acreditar nela. Solto meus braços, desprendo-me da barra segura que me protege e que, solidariamente, estende a mão para me segurar. Libero-me das amarras, e caio. Cada vez mais rápido. Imprudente e sonhadora, não verifiquei se havia rede para me segurar ou um colo macio para cair. Tal qual meus sonhos e amores, fui de encontro à superfície dura e ríspida do picadeiro. Ainda assim, virei um espetáculo. Espetáculo morto.

fortaleza

Eu queria parar. Preciso parar. Parar de ser forte, viver em fortaleza. Fortaleza falsa, que não me protege e que, apenas, mostra-se firme na hora de levar as pancadas, muitas, que a vida me dá. Nada me derruba e, se me curvo, logo volto à posição inicial. Não quebro, apenas me machuco. Perco pedaços e eles, à primeira mostra de esperança, se refazem. No corpo, muros de uma fortaleza, restam as marcas. Muitas, afinal. Mas, sou fortaleza cega, não vejo as marca e apenas sinto-as. Fortaleza cega e burra, ainda. Pois, não vejo e não aprendo. Queria despir-me dos muros, liberar as do portão que me fecha e liberar a prisioneira mulher que vive dentro de mim. Ela precisa sofrer, desfalecer. Ao menos uma vez.

repetição

Dias repetidos. A vida é cíclica, maré cheia que, quase sempre, esvazia. Esvazia até secar por completo. Até a última gota de água evaporar. Resta, então, um grande punhado de sal. Mar branco e seco, que também me seca e me salga. Seca constante que torna a alma sedenta de tudo. E o sal sobrevive, não morre e não se vai. Permanece sempre ali, salgando e tornando ainda mais viva a ferida necessitada do alívio que a água traz. Conservada pelo sal das lágrimas que um dia escorreram, eu espero. Espero a chuva brotar no canto dos meus olhos tempestuosos. Tempestade vermelha, de sangue e água. Para, mais uma vez, curar a febre, aliviar a dor, lavar a alma.

quinta-feira, 31 de julho de 2008

escolhas

Céu de estrelas híbridas. Inferno de dúvidas. Céu e inferno, afinal. Inferno de pedra absolutamente confortável. Inferno para alguns, céu para outros. Ou, ainda, o paraíso. Confusão de sensações e vontades. O inferno pode ser bom e nunca mais quero ir embora. No fundo, tudo quer me prender. Um “tudo” forte, que tudo invade. Foi logo, foi rápido, nem deu para respirar, pensar entendimento ou ponderar situações. Apenas sentir. Apenas sinto. Vem comigo. Inferno, céu (ou paraíso?). Conceitos relativos?

sábado, 26 de julho de 2008

herança genética

Miro, profundamente, o espelho. E te vejo, ou me vejo então, ali. Somos duas e uma só. Duas porque sofremos e amamos diferente. Mas, uma, porque sou parte de você. Como você é tão parte de mim. Olho seus olhos através dos meus próprios e vejo a idade diferente nas marcas da pele. No entanto, as lágrimas que escorrem dos meus e dos seus, têm a mesma razão de ser. Derramamos o mesmo líquido salgado e sofremos tal qual a outra. Não temos o mesmo corpo e nem as mesmas convicções. Mas, o amor que nos cega, nos torna iguais na carne e na alma. Você é meu modelo. E até nisso copiei seu rastro. Fiz igual, sofro igual. E já não percebo mais as diferenças tão visíveis de outrora. O amor que nos cega também nos mistura. Mistura híbrida e única. A mesma carne, o mesmo gene, mãe e filha, afinal.

oração

Pontadas, agulhadas, perfurações. Todos os dias meu corpo padece e implora pelo fim da tortura sem nome, sem dignidade e sem face. Cada dia as lágrimas nascem no canto dos olhos com uma força infundada. Força e água que não sei de onde vêm. Pois há muito sou deserto parado, esperando ansiosamente pela morte, meu verdadeiro oásis. Sonho, viajo. Imagens que vêm à mente entre os intervalos alucinógenos da dor que me arde. Sinto tudo. Cada parte de mim grita e se desespera. Todas as noites, eu rezo. Canto louco que me escapa à boca. Não me acorde amanhã. Me deixe dormir, eu imploro. Amém.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

marca ácida

Face vermelha, queimada. Rubro rastro deixado pelo pequeno córrego de lágrimas. Pequeno, mas constante. Ácido cortante que escorre de meus olhos. Tão ácido que me cega, só consigo senti-lo. O turbilhão de águas volumosas que outrora derramava, aos poucos foi diminuindo. A água de meu corpo, devagar, foi tornando-se escassa. Escassez quase desértica. Deserto de sentimentos, clima árido que impede qualquer semente de gerar frutos ou árvore frondosa. A única vida que ainda resiste são meus olhos cegos. E o único liquido que de mim escorre é a salgada lágrima que me destrói. Preferia a tromba d’água que me arrebentava os olhos furiosamente. O choro fraco e constante é o que mais dói a alma agora.

terça-feira, 22 de julho de 2008

dom de fazer profecias

Um dia ela estava andando. Andanças rotineiras pelos vales do sul. Sobe, equilibra-se no parapeito estreito, abre os braços e cai. Cai até sentir a pedra áspera do asfalto arranhar-lhe o corpo e a alma. Imóvel, incapaz, perde os sentidos. Sente somente a dor que corta-lhe os músculos e a carne, que parte os ossos em pedaços. Abre os olhos, olhos etéreos, não mais são feitos de carne. Olha-se então, esticada, e sente as dores do corpo que não mais lhe pertence. Grita, berra. Mas, pobre moça, ninguém a escuta. Não há mais garganta ou boca para profanar o desespero que sente. Desfigurada, desconsertada, não sente, apenas, a dor de sua matéria mutilada. Mas, também, o desespero de não conseguir chegar perto do corpo que há pouco era seu, tamanha a aglomeração. Ao longe, vem alguém correndo, cada vez mais perto. É a santa mãe que outrora deu à luz e que, inconformada, devolverá o fruto crescido de seu ventre à escuridão. Não a escuridão primeira, do ventre quente. Mas a escuridão póstuma da terra fria. E, agora, além do desespero e da dor, sente a angústia de não poder dizer à mãe: “Estou aqui, ainda”. Ela não enxerga e não escuta. O esforço é em vão. Passado algum tempo, mais aglomeração. Todos choram a flor mutilada e despetalada, talvez ainda em botão, dentro da caixa de madeira escura. Ao lado, uma moça bonita e jovem. Olhos banhados, rosto inchado e a certeza, mais do que certa, de que o boomerang sempre volta e de que nem a morte estanca o sangue e a dor de quem sofre.

domingo, 29 de junho de 2008

conversa fiada

Sabe Deus, o que mais me dói é ainda sentir. Sentir não a dor de sentir o que sinto mas, sim, a dor profunda que corrói o estômago quando as lembranças vêm à tona. Dor que arrebenta, estoura as vísceras. Sabe Deus, já cansei de pedir. Quanto mais eu peço, mais me lembro. E dói, se o Senhor não sabe. Desculpe-me se tão rudemente me dirijo. Mas é que não comporto o dom das lembranças. Não sou capaz de carregar o fardo árduo, a sina triste. Me dê outra tarefa. Não menos árdua que essa. Mas que me transporte para outro mundo. Qualquer outro lugar que seja meu. E não a representação barata de um mundo que dizem ser o seu.

terça-feira, 10 de junho de 2008

10 de junho

Hoje é aniversário do nada. Comemoração vazia, festa muda, alegria calada. Hoje brindo em comemoração às cinzas. Festejo o dia que não aconteceu. Enfeito a casa e me enfeito. Sento junto à porta e espero. Espero os convidados que não convidei. E, quando cansar de esperar aqueles que não virão, vou abrir um vinho e comemorar, sozinha, junto ao som ou à televisão. Acenderei a vela do bolo, cantarei parabéns sozinha. E, sozinha, irei apagá-la. Ao apagar, entoarei mudamente meu único pedido. Corto o bolo, distribuo os pedaços em pratos. Um pedaço para cada convidado que não veio. Comerei o pedaço que me cabe. Tomarei meu copo de vinho. E, novamente, irei juntar-me ao som. Trocando compulsivamente os discos que tocavam um ano atrás. Quem sabe a música refaça o dia.

terça-feira, 27 de maio de 2008

camaleônica?

Disfarces, são tantos os que existem por aí. Só eu, burra completa, não aprendi a usá-los. Não sei camuflar-me. Afinal, nasci mulher e não camaleão de sangue frio. Rastejo, nua e à mostra, sem roupa ou fantasia que me proteja da selva urbana em que vivemos. Encosto-me na árvore de mentiras e fico ali, descoberta, verdade vazia. Não sei colocar a máscara da frieza, da indiferença ou, então, ficar inerte aos princípios e valores – esquecidos – desse mundo. Preciso viver. Mesmo que rastejando, suja e nua pelas calçadas e pelas ruas. Preciso viver. Viver tudo o que me cabe. E, por não viver, é que muitas vezes me desfaço em pedaços. Pedaços de ódio mal-vividos. Fragmentos esquecidos de amor.

pretensiosa realidade

A vontade é de ficar o resto da vida ali, mergulhada na infância perdida. Nos pedaços de papel amarelado, o retrato de uma criança esquecida. Tantos são os fragmentos. Coletânea mórbida de papeis brilhantes. Todos reunidos no interior da capa dura, igualmente amarelada. Cada pose, cada gesto, esconde os dias e as noites que vieram antes de a luz de um flash captar aquele ínfimo momento. Noites mal dormidas, dias que passaram mais rápido que o vento, mais rápido que o piscar de nossos olhos. Cada imagem, cada sorriso, todos tendenciosos, mostrando uma verdade inventada. Nunca vemos os dias ruins num álbum de fotos. Mas, são eles que nos levam de uma foto feliz à outra. A nós, resta viver os intervalos.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

idas e vindas

Umas resolvem ficar, outras vão e jamais voltam. Outras são eternas lembranças de uma mente que, sequer, tem certeza se viveu, de fato, tudo o que lembra ou se, apenas, imaginou tantos detalhes usando sua imaginação fértil de criança. Algumas, ainda, vão embora sem deixar rastros ou pistas que indiquem o caminho que escolheram. E, de repente, sem falar nada, sem fazer barulho no portão, entram pela porta da sala da nossa casa. Entram, sentam no sofá e perguntam o que tem pro almoço. Assim, simples, como se sempre tivessem estado por ali, esperando a mesa ser posta e o almoço ficar pronto. Outras, não se afastam jamais. No entanto, nós acabamos por nos afastarmos delas. Então, quando menos esperamos, as lembranças ressurgem vívidas, ávidas, fortes, coloridas na lembrança. E relembramos com saudades daqueles que perdemos ao longo dos longos caminhos que percorremos pela vida. Mas, por hoje, chega. Vou guardar as outras lembranças para o próximo banco de praça em que eu possa me sentar e relembrar, reviver. Quem sabe, no próximo banco, você seja, apenas, mais uma dessas pessoas. Dessas que a vida encarregou-se de deixar na lembrança.

domingo, 4 de maio de 2008

memórias de um suicida

Seguro a faca afiada com força. As mãos quentes pelo sangue que corre esquentam, também, o cabo gelado da faca empunhada. Rasgo a pele e o sangue escorre. Limpo o líquido vermelho e pungente que insiste em escorregar pelos retalhos de pele grossa. Está frio, mas o calor do sangue me esquenta. A dor é gritante. Tão gritante que me cala, sofrendo quieta e muda. A memória se confunde com as impressões de agora. Não sei se choro pelo presente ou pela dor de outrora. Nem sei, ao menos, se o líquido quente e salgado que agora pinga dos olhos é sangue ou lágrima. Continuo recortando-me. Pedaço por pedaço, víscera por víscera. O sangue, agora, corre com mais força. No que sobrou do corpo, nos pedaços da alma e, também, nas pedras da calçada.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

crescer dói

A vida passa, devasta os anos, furiosamente. O tempo corre, galopa cada dia mais veloz. Na correria, perdidos no tempo, não achamos espaço para parar um pouco. Para rever conceitos, reavaliar o passado. E, quando finalmente paramos, é quase impossível acreditar que tanto tempo já passou, que tanta vida foi deixada para trás. Aí, vem aquele momento em que pensamos: “eu era feliz e não sabia”. E relembramos a infância. O tempo em que a praia era limpa, em que o verão era quente, em que a vida passava lentamente. Conseguimos, até, nos enxergar pequeninos. Às vezes, naquela época, reclamando da vida. Reclamando da nossa grande responsabilidade de carregar o baldinho até a praia, quando, tudo o que queríamos, era ir com as mãos vazias, soltas sentindo a brisa do mar. Ah, se soubéssemos! Se conseguíssemos prever o futuro e nos ver hoje. Adultos com medo da vida, do tempo, ou da falta dele. Se pudéssemos, realmente, enxergar além do nosso mundo de criança, certamente aproveitaríamos mais. Ou não. Viveríamos angustiados com a certeza de que a parte simples e feliz da vida dura tão pouco.

sábado, 26 de abril de 2008

retorno ao extremo sul

Hoje estava andando pela rua. Ruas que há muito não visitava. Numa dessas viagens que a vida acaba nos obrigando a fazer. De repente, avistei um prédio. Construção antiga, desgastada pelo tempo. Sabia que seria difícil. Mas, ainda assim, cogitei a possibilidade remota de te encontrar. Antes de questionar o porteiro sobre a sua existência, fiz um esforço para tentar lembrar-me da voz e, também, prever qual seria a sua reação e a sua aparência, depois de tantos anos. Após longos minutos, entrei no hall do prédio e subi as escadas (aquelas mesmas que, um dia, vencemos juntas, carregando a mala pesada no dia da minha chegada). Olhei para o porteiro e perguntei sobre você. A moça bonita e simpática que, há tempos, viveu ali. O porteiro era novo, e não lembrava da moça descrita. “Mas moça, o porteiro que entra depois de mim é bem antigo”, ele disse. Voltei depois para falar com o antigo porteiro. “Olha, eu lembro dela, sim. Mas, há muitos anos ela se foi”, ele lembrou. Foi para onde, meu Deus? E assim, questionando-me, eu também parti.

quinta-feira, 24 de abril de 2008

dia anterior

Abro a porta que, indiscreta, grita anunciando a chegada. Limpo os pés no tapete surrado de retalhos coloridos. As tábuas do assoalho, marcadas pelo tempo, rangem, reclamando do peso que, há muito, não sentiam. Acendo a luz e espanto-me: ainda há luz. Luz fraca, amarelada, apagada, como tudo, pelo tempo. Os primeiros raios de luz denunciam o abandono dos aposentos. O pó preenche os espaços vazios. Os móveis, todos cinzas, cobertos pela ausência de vida. Ando, vago, revivo e reinvento. Me paro na imagem estática da cama, desde os últimos tempos, desarrumada. No banheiro, branco de outrora, a água amarelada da banheira resplandece, morta e podre, estática. Na cozinha, as xícaras do chá de maçã, os pratos do almoço, a panela do jantar e os talheres que guardam o gosto amargo das nossas salivas, impressões das línguas. Ainda há roupa no varal, estendida, esturricada pela falta de movimento, fibras petrificadas. E, no chão, os lençóis sujos da noite que, um dia, foi a noite anterior. A vitrola da sala grita e berra, pobre muda, som surdo, barulho sem voz, mas, extremamente, familiar. As janelas exibem-se, provocantes. Sinto vontade de toca-las, ímpeto, impulso de escancará-las para o dia. Para que a vida entre e penetre o virgem mausoléu sombrio. Nem que seja, apenas, mais essa vez.

terça-feira, 22 de abril de 2008

desertificação

Areia seca, fervente. Sol queimando o rosto, queimando a alma. Os raios entram através da carne permeável. Os olhos se fecham, a luz é forte demais. O corpo verte água. Um rio se forma. A ilusão de um rio. Miragens desérticas invadem o ser. A vida vai, aos poucos, desaparecendo sob o sol. Como uma poça d’água evaporando sobre a calçada. Lá na frente, entre as fendas quentes da areia, existe um oásis. Corra! Ainda há tempo para beber a minha alma.

quinta-feira, 27 de março de 2008

círculo secular

Você retorna. Volta, contorna, circula e faz rodeios em torno de mim. Não entendo e sigo assim mesmo, sem entender. Me confundo com seus círculos, me perco na roda que insiste em girar e parar, sempre, no mesmo lugar. Coisas estranhas. Mas, é assim que é o mundo. A Terra é assim mesmo. Dá voltas, gira em seu próprio eixo e sempre acaba caindo no mesmo ponto. Não adianta tentar mudar o curso. Você, filha da Terra, amante do mundo, não é diferente. Imita sua mãe, reproduz seus movimentos circulares. Volta, anda, vaga e se perde pelo mundo, vasto mundo de belezas tentadoras. Mas retorna, e recai novamente em mim. Mas, também sou filha da Terra. Não estou mais no mesmo lugar. Está na minha hora de vagar por aí.

domingo, 23 de março de 2008

minha menina

Noites em claro. Olhos irrequietos, passeiam, dão voltas, giram em suas órbitas. A escuridão é tanta que qualquer ponto de luz me cega. A menina, negra e brilhante, caminha pelos caminhos circulares de uma estrada castanha. Caminha, corre, retorna e se perde. Perde-se sem saber o caminho de volta e vaga, sozinha e cansada, pelos vales redondos e pelos morros orbitais. Rio salgado de águas límpidas. A menina se banha e se limpa, retira de si as impurezas que tornam opaco o seu brilho. Menina pequena e frágil, recolhe-se à insignificância de seu tamanho. Mas, engrandece-se em sua plenitude. Mais uma vez ela se fecha. Amanhã, no entanto, é outro dia.

efemérides

Datas comemorativas. Belas datas comemorativas. Calendário marcado, fadado através das gerações. Triste sina. Os mesmos dias, as mesmas belas datas comemorativas. Nada muda, apesar da mudança dos anos. Os dias passam, as estações vêm e vão. E o calendário, pobre calendário, continua igual. Datas repetidas, famílias reproduzem os mesmos gestos, as mesmas tradições de outrora. E nada, nada muda. Permanece tudo igual, como numa triste linha de montagem secular. Repetimos os abraços, reproduzimos os sorrisos, fazemos, e refazemos as mesmas antigas receitas. Robôs de raízes profundas. E, assim, vivemos mais um dia, mais uma data, mais uma triste data comemorativa. Efemérides malditas.

quarta-feira, 12 de março de 2008

tulipas

As tulipas são simples, delicadas, profundas e, ao mesmo tempo, fortes, fortaleza em si. Aguentam as tempestades, o frio seco e gelado dos países do hemisfério norte. São raras, muito raras... E caras. Caras não, apenas, em preço, mas caras em cuidado, em compreensão, em entendimento. E, apesar de toda a forte fragilidade e a simples beleza, elas têm um grande problema: não resistem ao verão e ao coração quente dos que vivem no hemisfério sul. O calor as queima como o sol queimando a pele branca e frágil de quem é acostumado à frieza. São belas e fortes mas, frágeis e secas quando expostas ao amor quente e bruto de quem vive por aqui.


*Texto que, na verdade, foi uma resposta ao questionamento de alguém sobre as rosas e as tulipas...

terça-feira, 11 de março de 2008

escolhas

Sinto fome. Tenho sede. Alimento-me. Pedras caem dentro de mim e enchem o meu estômago. Preenchem buracos, ocupam vazios, refazem ruas. Ruas pedregosas que acabam onde os olhos não enxergam. Mas que, sem dúvida, levam até os vales desabitados do meu interior. Algumas vezes, sou planície vazia, desprovida de vida. Outras sou selva viva, intensa, oculta. Por vezes, árvores frondosas habitam o caminho. São infinitas as paisagens, como são infinitas as minhas faces. Caminho por mim mesma e o caminho caminha por mim. No final da estradinha humana de pedras e carne viva, vê-se a luz de uma clareira. Oásis desértico em meio à selva humana. Rosas enfeitam as escolhas. Tulipas desvirtuam a realidade. Hora de ser mulher qualquer. Ficarei com as rosas.

sexta-feira, 7 de março de 2008

canibalismo

Engulo. Sufoco. Abafo. Corro por todos os lados, agoniada. Afogada, engasgada, sufocada. Ando com pressa, a procura de algo. Mas, só encontro um canto. Um canto que me basta. Preciso, apenas, vomitar a ânsia que me engasga. Que afoga, me sufoca, me deixa agoniada. Me jogo de joelhos, abaixo a cabeça para vomitar. Posição de quem procura a redenção. Quero mesmo a redenção pelo pecado de amar. Vomito. Desafogo, desengasgo. Levanto a cabeça. Olho para o chão. Náusea profunda, certo nojo de mim mesma, asco e ódio vazio por ver o que não gostaria de enxergar. Vísceras expostas, profundeza revelada. Junto tudo com as mãos. Quero voltar ao sufoco, ao afogamento, à agonia. Seguro firme as minhas vísceras, pedaços de carne expostos à dor da luz do dia. Rio vermelho, sangue, ainda quente, encharca as mangas da blusa branca. Manchas que não sairão, jamais. Que permanecerão, sempre. Seguro firme meus pedaços, e os engulo, um por um, sentindo o gosto salgado do meu próprio sangue. Gostaria, mesmo, é de experimentar outras carnes. Comer o que não me pertence. Torturar, triturar e vomitar o que jamais poderá ser meu.

segunda-feira, 3 de março de 2008

oceano

Olhos cor de esmeralda. Pedras brutas, lapidadas pela simples alegria do encontro. Calor lá fora, inferno aqui dentro. Breu em pleno dia, olhos fechados. Visão do tato, gosto do olfato, tato da língua. Cabelos longos, sereia terrestre, azul das roupas, mar de pano pelo chão. Veludo branco, macio e de gosto próprio. Rastro vermelho, marcas das mãos, força bruta e leve do amor. Sonho de tecido, despertar quente, fervente. Água morna, cheiro, perfumes. Mergulho profundo em ti.

sábado, 1 de março de 2008

observação

Vejo a cidade do alto. Prédios, com pequeninas janelas brilhantes, enfeitam um céu urbano. Cada janela abriga vidas desconhecidas, escondidas pela escuridão. Calçadas, ruas, carros, pessoas. Tudo e todos cumprindo o seu papel. Cidade em movimento, vivendo ao embalo da rotação vagarosa do mundo. Dia, noite, amanhecer, anoitecer. Idas e vindas, vida, rotina cíclica. Observo tudo do alto, resguardada pela barreira transparente da fina lâmina de vidro. Sou observadora e observada. Olho a cidade do alto. Sinto o vento, a brisa gelada de uma noite qualquer. Soberana, nada escapa aos meus olhos. Deusa urbana do mundo que enxergo e recrio a cada olhar.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

reza íntima

Te vejo ali, inquietante. No alto da plataforma dividida você se faz e se inventa. Recria e reinventa. Sou mais uma dos muitos que te olham. Desejo contido, guardado. Guardado para mais tarde. Para o momento único de nós duas. Do alto, doce santa misteriosa, você me olha. Reza uma reza só nossa. Uma reza muda e gritante. Que berra através dos olhos, olhares quentes e únicos, desejosos de nós duas. Guardamos silêncio, mudez compartilhada. Sabemos o que vem mais tarde. E o saber nos conforta. Mais tarde, mais além, mais fundo. No íntimo âmago teu e meu, também. Penetrantes e provocantes. Línguas que não falam e que rezam. Reza herege da paixão escondida.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

arrebentação

Nos conhecemos tanto, por tanto tempo. Aprendi você e você, também, me aprendeu. Aprendeu e me prendeu. Nos prendemos. Amarramos nossas vidas com o mais perfeito nó. A emenda da corda era perfeita e era como o fio de vida que nos unia através da distância. Fio de vida ou fio de amor. Você viveu a minha e eu vivi a sua. Intensamente, profundamente. Mergulhamos tanto, afundamos tanto. E pela profundidade do mergulho, fechamos os nossos olhos. Para que o sal ardido da realidade não os machucasse. O fio, porém, tinha defeitos, apesar de toda a perfeição. Esquecemos que ele era mais forte, apenas, na imaginação. Imaginário tentador que nos permeava. Ele arrebentou. E me arrebentou. Fiquei com o maior pedaço do amor que nos unia. E dói, ainda dói, carregá-lo, triste fardo, sozinha.

conclusão

Eu não sou eu. Sou qualquer coisa de uma coisa qualquer. Um pedaço menor de uma parte maior do que eu. Maior e que eu não compreendo. Não posso compreender o que está além dos meus limites. Não posso entender o que ultrapassa o tamanho do meu corpo. Tudo o que eu entendo é mera suposição. Julgo entender e conhecer. No fim, gasto o meu tempo à toa. Horas perdidas num entender que não entendo. Crio conceitos, invento palavras. Decoro teorias, refaço filosofias, chego, até, a uma conclusão científica. No entanto, nada disso é preciso, é tudo puro desperdício. Finalmente, eu nada entendo e, cientificamente, compreendo que nem a mim mesma conheço.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

abismo

Te vejo tão distante. Você aí, vivendo. Engraçado tudo isso. Escolho as palavras, uma a uma. Escolha cuidadosa, meticulosa. Arremesso pedrinhas para o lado oposto do abismo que nos separa. Você lá e eu aqui. Deste lado, nada nasce. É árido, seco, improdutivo. Sinto sede. Olho a vida que brilha do outro lado. Lá está a água que eu sonho em beber. A comida que alimentaria para sempre o corpo e a alma. Levanto-me. Cansei de tentar contato, de atirar pedrinhas. Seguro firme o cabo da enxada. Trabalho árduo sobre o solo vazio de mim mesma.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

24 horas

Vinte e quatro horas de uma vida. Vinte e quatro horas pra viver. Despertar, abrir os olhos, tapa violento da manhã. Luz do dia queimando a retina, início da vida. Ir vivendo, ir levando, apenas mais um dia. Apenas mais essa vida. Aprender a andar, a comer, a falar. Luta diária, guerra curta, vida curta, batalha árdua. Entardecer adolescente sob o sol. Lembrança ainda forte da manhã-infância. Caminhar em direção ao retorno, ao fim, à origem. Anoitecer nostálgico, fim da vida. Banho para dormir. Roupa boa para se deitar. Acabou a luz, acabou o vento, cessou a vida. Caixa escura, lacrada, finada. Reencarnarei amanhã.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

desconhecendo-me(te)

É, não foi ledo engano. Foi um engano verdadeiro. De fato, como nunca e mais do que nunca, eu te conheço. Conheço as suas feridas, os seus problemas, conheço onde “aperta o seu sapato”. Conheço suas dúvidas, seus medos e, até, antecipo suas palavras. Antecipo o beijo que você sonha em receber, antecipo os prazeres com os quais você apenas sonhava, antecipo-me. Reinvento-me. Recrio-me. Entendo-te. Amo demais, entendo demais, tolero demais. Vida de excessos. E, de tanto conhecer, desconheço-te.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

hereditariedade

Troco CD's, ao invés de discos. No entanto, os meus CD's repetem os mesmos versos chorosos e doídos de outrora. A dor é a mesma. O pranto é, da mesma forma, contido. São as mesmas perguntas. Meu corpo e sentidos são, aos poucos, tomados pela mesma raiva. O coração, igualmente, não responde. Ando de um lado para o outro. O mesmo andar, os mesmos passos, o mesmo ritmo. Dor pulsante do abandono. O futuro repete o passado.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

(des)conhecimento

Conheço cada parte, cada canto. Recosto a cabeça no travesseiro macio e acolhedor que seu corpo quente me oferece. Somos velhas conhecidas. Conheço teu quarto, tua sala, cada cômodo da sua vida. Sonho com teu leito em carne-viva, vermelha, ardente. Passeio por ti como um cego passeia pela vida. Não vejo. Apenas, sinto o gosto e o cheiro. Porém, onde deveria haver um salão de baile vivo e pulsante, sinto o ar gelado e o chão frio de um piso de mármore. A batida melódica da vida não reverbera pelos quatro cantos de ti. Onde deveria caber um mundo, há só nós duas. Dois rostos desconhecidos bailando ao som de um cortejo fúnebre. E eu achei que te conhecia.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

assuma-se

Vem cá, mostra a sua cara. É fácil ser o que somos, na teoria. Monstros, doentes num mundo sadio. Carregue esse fardo. Você consegue, sua doente? Doença rara, contagiosa e contagiante. Sofremos desse mal. Todos sofrem. A diferença, o que nos separa em pólos diametralmente opostos, é a nossa coragem. Eu mostro a minha cara. Sou doente. Doente de tanta felicidade. Sofro de um orgulho sem tamanho. E de uma coragem maior ainda. Vem cá, mostre a sua cara. Você agüenta a bofetada do mundo?

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

mar morto

Ranjo os dentes. A dor é lascinante. Um gosto salgado molha a língua. Mar vermelho em minha boca. Oceano profundo repleto de células-palavras. Palavras nunca ditas. No fundo do oceano, estão os meus dentes quebrados, como conchas repousando sobre a areia da língua. Partiram-se tal era a força das palavras batendo como navios perdidos contra as rochas marinhas. Nesse oceano vermelho não há vida. O único movimento que existe é o das palavras. As quais vagam como almas perdidas, abafadas pelo silêncio profundo da garganta. Sinta o gosto do sangue.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

a diferença

Quer bater? Bata. Mas bata com força. Para que eu não tenha força para revidar. Quer cuspir? Cuspa. Mas escarre bem fundo, bem dentro dos meus olhos. Para que eu não consiga escarrar em ti. Quer o que é meu? Tome. Mas arranque com vontade. Para que as minhas conquistas não retornem pelo simples fato de serem minhas. Quer ser melhor do que eu? Seja. Mas, não esqueça, para isso, será preciso coragem, força, garra e, acima de tudo, ser mulher. Você pode com isso? Eu posso com você.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

despindo-me

Chego em casa. Na memória, um único desejo. Vago pelos cômodos, como quem vaga, massa inerte, por mim mesma. Paro, busco um pedaço de tecido felpudo estendido em algum lugar. Tiro o relógio do pulso, como quem quer livrar-se do peso das horas. Desamarro o tênis, chega de segurança, quero fragilidade. Tiro a roupa, peça por peça, despindo-me do cansaço do meu dia. Entro, deixo a água correr pela pele fria. E o cheiro doce de banho quente entrar pelas narinas. Mais um dia chega ao fim.

vestindo-me

A noite está fria, arrumo o meu ânimo e levanto. Vou me arrumar para sair. Tomo um banho, para despertar a vontade de colocar os pés para fora de casa. Escolho as roupas, como quem escolhe com qual humor sair. Visto o tênis, a básica segurança de sempre. Coloco as pulseiras e, com elas, coloco a disposição no corpo. Um último ímpeto de ficar em casa é espantado ao dar tchau pra mãe e fechar e porta da frente. Eu volto cedo, mas não me espere. Mais uma noite se vai.

sábado, 26 de janeiro de 2008

vazio

Amores vazios me completam. Preenchem o grande vazio de mim. Palavras vazias me completam. Preenchem os vãos vazios dos dentes na boca. Sentimentos vazios me completam. Preenchem os átrios e os ventrículos do músculo mais vazio do corpo. E eu, vazia, desprovida de mim, completo o mundo. Preencho o lugar que me cabe. Peça decorativa, apanhado de células vazias ocupando um lugar vazio do espaço.

opacidade

Não acendem, não piscam. Nada, nada. Não faz. Não acontece. Não acende a luz. É como tentar tocar o nada no escuro. É como querer alcançar o infinito. Talvez, eu tenha a pretensão de fazer parte dele. De integrá-lo. Ou, de querer sê-lo. Não sei, não sei. Nada, nada. Não acendem, não piscam. A luz tem brilho opaco. Matizes estranhas. Arco-íris em preto e branco.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

invasão

Tornado de sonhos, sentidos, sensações. Ele vem de longe e, agora, está tão perto, tão próximo. O vento agarra os meus cabelos, envolve o meu corpo, invade a minha alma. Perigo iminente, visível, real. Tento me segurar, me proteger do vento que quer me retirar daqui. O vento, forte, devastador é, ao mesmo tempo, tão doce, tão seguro, tão familiar. Difícil resistir às forças da natureza. À natureza dos sentidos que me invadem junto com o vento. Deixarei ele entrar, penetrar a carne, bagunçar os sentidos e, por fim, me tirar a razão.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

velhas tentações

São palavras que me tentam. Carregadas de sentidos, sentimentos e vontades. Perturbam a ordem em mim. Meu coração, tão bem treinado, diz que não quer mais obedecer. Sua vontade é sucumbir a uma ordem sem leis. Bate, agora, sem compasso, sem ritmo. Descontroladamente, desesperadamente. Bate no ritmo descompassado das perguntas que vêm, insistentes, à minha mente. Meus olhos não mais querem ver. Fecharam-se às verdades da minha alma, à racionalidade inerente. Sei que é errado, mas, também, sei que é real. Mais uma vez é real. De novo, vou tentar fugir. Fuga inválida pelos caminhos que me levam até o prazer.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

invenções inventadas

Invenções inventadas. Palavras repetidas, momentos vazios. Procuro o procurar. Procuro o verbo, a ação e não o objetivo. Busco fazer e, depois de feito, perde o sentido. Procuro nada mais que eu saiba. Procuro o vazio. Procuro uma caixa grande cheia de nada. Mas, o que importa, é procurar. Luto por tudo o que quero. Depois que eu consigo, perde a graça. É como pedir demais e se cansar de pedir. Procuro o nada. Procuro a vida. E nada, nada mais.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

motivos

Quando o cansaço entrar em seu corpo, anime-se. O ânimo traz mais cansaço. Quando você achar que nada vai mudar, não aguarde mudanças, opere-as. No final, até mudar vira rotina. Quando a tristeza bater à sua porta, alegre-se. A alegria, também, traz a tristeza. Quando você não agüentar mais caminhar, corra. Correr, lhe dará mais vontade de parar. Quando o sol estiver forte demais, não feche os olhos, abra-os. Doerá, mas você vai se acostumar com a luz. Quando tudo lhe parecer perdido, aposte mais alto. Quem sabe, você perderá a vida. Quando a noite lhe envolver em breu, respire fundo e deixe-se levar. A noite trará os seus medos, enfrente-os. Quando o seu amor partir, arrume outro. Este, também, partirá. Quando a vida perder a graça, viva mais. Viver nos aproxima da morte. Alegre-se.