domingo, 31 de agosto de 2008

encontro astral

Escondida do mundo e de tudo. Réstias de sol, teimosas, invadem o quarto escuro que me abriga. Fecho os olhos para que, além da virgindade negra do quarto, a luz doce do sol não invada meus olhos. Fecho e me fecho. Abraço as minhas pernas, dobro meus braços, abaixo a cabeça. Casulo em mim mesma, fechada, lacrada, para não sentir o toque quente do sol de inverno. Me protejo, me tranco. Mas, o sol é insistente. Arromba a porta, me arromba e me faz única. Lua confusa, sonhando com o eclipse que me levará, mais uma vez, de encontro ao sol.

sábado, 30 de agosto de 2008

não viver

De tudo aquilo que sinto, só posso entender o que não consigo sentir. De todas as coisas que espero, só posso pedir aquilo que jamais poderei ter. Caminho pelas pernas que meu corpo não sente e vivo a vida que não me pertence. Fantoche estático, sem movimento. Fetiche de um destino mimado e birrento. Dentre todas as coisas que vivo, “me gustaria” muito viver aquelas que não poderei viver pelas limitações do tempo ou imposições de um destino cruel. De tudo aquilo que sou, sigo uma trilha qualquer. Ora perdendo-me e, quase sempre, esquecendo-me.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

silenciamento

O silêncio impera e dilacera. Rasga o barulho e a inquietação de nós mesmas. A câmera é fria, o microfone insensível. E o teclado, apesar de tantos toques, desconhece o real sentido do tato. Os olhares não se cruzam, cruzam as câmeras. Câmeras que não nos entendem. A mudez dilacera e impera. Perguntas mudas, respostas caladas. Repito, apenas, as músicas que se sucedem. Deixaremos tudo crescer, até romper a manhã. E quando o sol, tal qual seu nome, cegar-me com seu brilho.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

pedaços celestes

Caminho olhando para o chão, procurando pedaços que me faltam. Ora mancando, ora me arrastando, vivo buscando. Ansiando encontrar tudo aquilo que perdi, que roubaram ou, até mesmo, que nasci sem. De todas as deficiências que me cabem, a única que não me deixa é a incansável vontade de amar. E é isso que me faz, muitas vezes, mudar o foco do olhar. Por ora, paro de olhar para o chão e avisto o céu, infinito de graça e beleza. Olho e procuro as pernas, os braços e os corpos das estrelas para integrar ao meu próprio corpo. E então, finalmente, poder olhar pra frente.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

(ir)realidades

Imaginação traiçoeira, não te mostrou para mim como de fato era. Imaginei, sonhei, pensei. E, confesso, fiz pouco caso das sensações que me chegavam. Vi e não te vivi. Não sonhei e, até, não quis. Doce engano o de não te querer. Dilacero-me então, pelo desconserto de tudo o que se mostra. Tudo tão diferente e real. Tudo vivo dentro de uma realidade não inventada. Mas, sim, sentida e procurada. Me invento, te busco e me esqueço, então.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

dimensão

Sentirei falta de tudo aquilo que não puder levar. Sinto falta, agora. De tudo o que não pude carregar. O que me faz falta é tudo o que eu não posso sentir. As palavras que não posso ouvir, o olhar que não posso cruzar, o corpo que não posso tocar. Portas não abrem, os trincos não cedem. O país não diminui. E eu observo. Observadora constante, debruçada nas janelas da minha alma.

Ás-sim

A-bafo.
Ex-conde.
Re-colhe.
A-guardo.
Com-sumo.
Ah-bafo.
Dê-novo.
Má-sã.
O-mito.
Cria-dor.
Cai-chão.
Fé-chô.
Sim-tô.
Gira-sol.
Sol-tá.
Dói-dá.
Com-vivendo.
A-mando.
Mar-ia.

flor de maracujá

Corpo acetinado, morena em flor. Pétalas simétricas e, ainda, únicas. Simetria assimétrica. Desenho único, esculpido pelo erro da imperfeição. Perfume cítrico, maracujá em flor. Tem o verde como cor. Saliva doce, mel da fruta, néctar. Gosto em flor. Reinado único, onipresente, coroa em pétalas. Rainha-flor.

toque constante

Chegada. Encontro. Olhares. Surpresa. Dia claro, sol a pino. Cidade quente, forno de concreto. O tempo passa, atropelando os momentos e as etapas. Quebrando meus protocolos. Não há tempo para pensar. Os dias corridos não me interessam. A voz doce e suave que escuto não é aquela que pretendia ouvir. É outra, ainda melhor. Canto mudo, palavras abafadas. Não há o que dizer. As palavras chegam à língua, e ela se recusa a falar. Terras, oceano e tempo brigam com o destino. Destino, por si só, contraditório. Controvérsia em mim mesma. Fecho os olhos, procuro abrigo na escuridão. Esqueci de proteger os ouvidos. A música ainda toca. E me toca, profundamente.

abrigo escuro

Eu vou embora, logo vou. Dentre tudo o que eu sinto, o que mais me dói é não poder sentir. Queria viver o que o destino me priva. Queria gritar o que a minha garganta não berra. Queria ouvir o som que meus ouvidos não decifram. E meus olhos, ah os meus olhos. Só queriam avistar a imagem que insiste em turvar a minha retina. Fecho os olhos, então. Para ver e sentir. Para driblar o destino. Ludibriar meus ecos. Enganar meus ouvidos. Corro, vejo. Ouço, viajo. Grito, ecôo. Eco louco, desenfreado. Bate nas paredes da alma, nos tecidos do corpo. Escuto-o. Finalmente sonho.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

queda livre

Passeio pelo mundo, desligada. Paro numa esquina, sento num parque, escalo árvores, monto nuvens. Me jogo de um prédio. Pane no pára-quedas que me segura. Não sobra nada. No chão, um punhado de sonhos, ilusões, idéias. Logo ali, adiante da queda, o sonho de um mundo melhor. Um pouco à frente, a ilusão de uma vida simples, sem medos. E, esparramado por todos os lados, o medo. Medo de viver, de sonhar, de lutar. Mas, sobretudo, o medo de amar. Maior que todos os outros. Maior e mais forte, até, que a própria vida. Por isso caí. O medo me empurrou.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

todos os dias

Ensaio palavras. Começo a escrever, engulo tudo, apago. Escrevo cartas, verdadeiros tratados. Palavras profundas, sentimentos que transbordam. Mas, que de nada adiantam. Escrevo mas não envio, guardo, sufoco. E o que não digo, fervilha dentro de mim. Ebulição constante que me queima e arde. As palavras chegam à boca, atingem as pontas de meus dedos. E, numa loucura compulsiva, marcam o papel. Mas, como sempre, amasso a folha, atiro-a ao lixo. E espero. Espero ser lida sem mostrar o que escrevo. E espero, ainda, que meus tratados mentais cheguem a você. Senão pela escrita, pela intensidade com que sinto, penso e me torturo. Todos os dias.

domingo, 3 de agosto de 2008

ballet mórbido

Bailarina-trapezista, preparo-me para o espetáculo. Fecho os olhos, estico meu braço, alcanço a barra firme do trapézio e solto-me. Libero o corpo e me sinto leve, quase posso voar. A sensação de vôo livre que me invade é tão grande que chego a acreditar nela. Solto meus braços, desprendo-me da barra segura que me protege e que, solidariamente, estende a mão para me segurar. Libero-me das amarras, e caio. Cada vez mais rápido. Imprudente e sonhadora, não verifiquei se havia rede para me segurar ou um colo macio para cair. Tal qual meus sonhos e amores, fui de encontro à superfície dura e ríspida do picadeiro. Ainda assim, virei um espetáculo. Espetáculo morto.

fortaleza

Eu queria parar. Preciso parar. Parar de ser forte, viver em fortaleza. Fortaleza falsa, que não me protege e que, apenas, mostra-se firme na hora de levar as pancadas, muitas, que a vida me dá. Nada me derruba e, se me curvo, logo volto à posição inicial. Não quebro, apenas me machuco. Perco pedaços e eles, à primeira mostra de esperança, se refazem. No corpo, muros de uma fortaleza, restam as marcas. Muitas, afinal. Mas, sou fortaleza cega, não vejo as marca e apenas sinto-as. Fortaleza cega e burra, ainda. Pois, não vejo e não aprendo. Queria despir-me dos muros, liberar as do portão que me fecha e liberar a prisioneira mulher que vive dentro de mim. Ela precisa sofrer, desfalecer. Ao menos uma vez.

repetição

Dias repetidos. A vida é cíclica, maré cheia que, quase sempre, esvazia. Esvazia até secar por completo. Até a última gota de água evaporar. Resta, então, um grande punhado de sal. Mar branco e seco, que também me seca e me salga. Seca constante que torna a alma sedenta de tudo. E o sal sobrevive, não morre e não se vai. Permanece sempre ali, salgando e tornando ainda mais viva a ferida necessitada do alívio que a água traz. Conservada pelo sal das lágrimas que um dia escorreram, eu espero. Espero a chuva brotar no canto dos meus olhos tempestuosos. Tempestade vermelha, de sangue e água. Para, mais uma vez, curar a febre, aliviar a dor, lavar a alma.