segunda-feira, 20 de outubro de 2008

por mar ou terra

Ora piscina cheia, ora tanque seco, vazio completo. Emoções que transbordam, vazios que me inundam. Ando ou nado por aí. Nunca sei, o tempo muda tão depressa, o rio sempre enche tão rápido. Na bolsa carrego sapatos ou nadadeiras. São sempre úteis para explorar meus caminhos solitários ou as minhas enchentes de emoções. Emoções que extravasam. Transbordam o enorme tanque da minha alma. Tanque raso que esgota a mesma água que transborda num instante. Minhas ruas são canais. Meus canais são calçadas pedregosas, mal acabadas. Mas, imperfeitas ou não, insistem em apontar-me caminhos. Sigo, mas me perco. Me perco e me encontro. Me encontro por aí, trocando passos com estranhos ou velhos conhecidos imaginários, tropeçando nas minhas próprias pernas, cadarços e nadadeiras. Sou nada mais que um grande emaranhado de galerias pluviais, fluviais, eu que sei. Não sei suas classificações. Sei que não me encontro. Sei que me encontro. E, sobretudo, sei que sou sempre eu. Sempre a mesma percorrendo os caminhos do mesmo velho cenário.

cárcere privado

Complexidade inútil que me persegue. Perseguição que me assombra. Por que é preciso sentir? Não quero mais o dom de mergulhar na complexidade alheia. Já basta a minha própria. Sempre de olhos fechados, tateando às cegas momentos que esbarram em mim. Momentos e caminhos que não são meus. Esbarram e me derrubam, tamanha é a intensidade do choque. Choque que me choca. Choca ou deixa estáticos os meus sentidos. Choque de luz para os meus olhos. Luz demais também cega. Claros e escuros, olhos turvos. Vejo, então, para dentro. Obrigada a olhar para dentro de mim. Não sei se gosto do que vejo. E, se gosto, não sei se compreendo. Me imaginava mais forte. E, agora, o que eu vejo de fato? Vejo um vulto de uma alma apressada em se esconder. Se esconde de que? Não sei. E nem ela sabe. Alma pequenina, torpe menininha. Reflexo da carne. Logo, também é cega. Turva como meus olhos. Fechada na escuridão de mim. Debate-se num emaranhado de veias. Afoga-se no meu sangue. Sangue que a mata e também a deixa viva. Abro, forçadamente, os olhos, janelas da minha alma. Arregalo-os. Será que alguém pode ver a pobre alma que se debate?

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

mantras

Frases de mãe. Repetições, são tantas. Palavras, espécie de mantras que incorporamos. Tudo isso julguei inútil. Nunca - pensava comigo - vou fazer igual. Hoje tive febre. E agora estou sozinha. Ninguém para me levar ao médico, ninguém para medir a temperatura ou lembrar o horário do remédio. No entanto, involuntariamente, com uma sapiência de quem não estudou, mas traz a ciência nos poros, eu repito os rituais de minha mãe. Banho morno - não pode ser muito quente - para baixar a febre. Muita água para hidratar o corpo que, suado, experimenta estar abandonado. Me arrumo, saio da cama. Repito as antigas repetições. Cama arrumada, corpo limpo, olhar desperto. Apesar da distância, encontrei mais uma forma de trazê-la, em pensamento, sempre perto.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

proteção mútua

Se você estivesse aqui, certamente, estaria melhor. Meus dias seriam preenchidos pela presença única que você representa. Teria com quem dividi-los. Haveria, também, com quem dividir o peso das horas. Não mais navegaria as minhas lágrimas sozinha. Nos dias felizes, sairíamos juntas. Você iria gostar das praças daqui. Sentaríamos à sombra de uma árvore e ficaríamos ali, na mudez de uma tarde. Sei que você não gosta de caminhar sob o sol. Mas, aqui, venta bastante, não esquenta tanto. Você só não iria gostar do inverno, chove muito. Mas aí poderíamos te comprar sapatinhos. Aqui você também pode dormir bastante. Dormiríamos juntas a siesta, nos faríamos companhia. Queria que você estivesse comigo. Eu te protegeria da chuva e te acordaria nos seus pesadelos. E você me protegeria do mundo. Não mais haveria solidão.

doce mel

Hoje estou com saudades de você. Todos os dias estou, é claro. Mas hoje, especificamente, queria – ou precisava – te pegar no colo, minha doce "menina". Queria te abraçar, olhar nos seus olhos – profundo olhar que ninguém é capaz de compreender. Queria brincar com você e retomar meu lado criança, como só você é capaz de fazer. Queria te arrumar, cuidar, arrumar seu "cabelo". Só eu entendo e, só você é capaz de me entender. O entendimento é mudo, plenitude sem palavras – elas são desnecessárias. Ninguém seria ou será capaz de entender cada linha do que digo. Nem mesmo você, querida menina alheia às palavras. No entanto, não cansaria de repeti-las, mesmo que mudamente, imersa num silêncio – e cumplicidade – profundo. Silêncio que fala e que, como tudo, só nós conseguimos entender. Amigas? Não. Somos, talvez, o mesmo universo. Universo particular meu e seu. Companheirismo único, incompreensível aos olhos vazios de quem, apenas, observa. Sinto falta de ti, doce pedaço de mim que ficou. Queria estar contigo, agora, "menina Mel".

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

misteriosamente viva

Olho as pessoas, observo o mundo. Um dia, me falaram que Deus nos deu dois ouvidos e, apenas, uma boca para que nós pudéssemos falar menos e ouvir mais. Eu, como boa falante, sempre contestei essa afirmação dizendo que ele nos deu uma boca grande, todavia. E que, então, ela equivale ao nossos dois ouvidos, pequenos orifícios. No entanto, intimamente e com uma ingenuidade infante de quem acredita ter descoberto o mundo sozinha, eu sempre contestei a mim mesma: a boca só é grande para que possamos comer. E, se o alimento é o que nos mantém vivos, o tamanho da nossa boca é proporcional à nossa vontade de viver. Pois bem, voltando. Tenho observado muito o mundo, o que me permite, finalmente, compreender o que dizem sobre os ouvidos, a boca e, também, confirmar o que, internamente penso sobre essa gana de viver (e de comer). Aqui, somente escuto, vejo e como. Falar, não falo. Começo, então, a acreditar que não temos uma boca. Mas, sim, duas mãos para falar. Mãos que estão a serviço da palavra. Aqui, minhas mãos vivem escravas das impressões dos meus ouvidos e olhos. Expressões transformadas em símbolos, traduzidas em palavras. Observadora de um mundo que me expulsa e, também, me acolhe. Não o compreendo. Apenas o escuto, enxergo e, gloriosamente viva, o mastigo. Tamanha é a minha ânsia de viver.

sábado, 4 de outubro de 2008

novos dias

Num banco, entre dois limoeiros e com cinco dias de atraso, venho escrever. Cada dia de atraso, no entanto, representa um dia de muita importância. Hoje faz exatamente uma semana que estou aqui. Sem dúvida, uma semana inesquecível sob diversos aspectos. Deixar o Brasil, Curitiba, casa, família e amigos é uma decisão muito fácil e, até, bastante sedutora. Porém, o que não é nada fácil, é bancá-la. E, por mais que muitos sejam os motivos pelos quais nos convencemos a ir embora, muito pouco eles, de fato, representam quando chegamos ao nosso destino final. Durante esses dias, pude conhecer um pouco mais da Maria Augusta que me habita. Mais do que conhecer Pontevedra, a Espanha ou a Europa, essa viagem está sendo, é e será um encontro, uma viagem a mim mesma. O "velho continente" será apenas o meu plano de fundo. E, da mesma forma que não conseguirei desbravar em sua totalidade as terras européias, sei que não conseguirei me conhecer por inteiro, ainda. Tudo o que pensamos ser, o que imaginamos sentir ou as previsões que fazemos, são nada perto do que, de verdade, somos. E só descobrimos cada parte do que somos quando temos que viver e dar conta das nossas próprias reações, por mais inesperadas que elas sejam. Passado, então, o desespero inicial desse encontro comigo mesma, agora posso dizer que estou me inteirando de tudo por aqui. São muitas coisas para pensar, muita coisa para olhar e muitas são as dúvidas que sempre me chegam. Coisas da vida, afinal. Aos poucos vou, também, aprendendo a controlar o desespero, a assimilar o choque de cultura, língua e tantas outras diferenças que me afligem. Hora de ser forte e crescer. Todo dia é um novo dia.

andanças

Pontevedra é cheia de praças, uma mais bonita que a outra. Todos os dias ando um pouco mais para conhecê-la. Semana que vem meus horários entrarão nos eixos. Por enquanto, limito-me a acordar, comer e passear. E, quando a saudade aperta, é hora de andar por aí e sentar em algum lugar para escrever. Já percebi que não sou muito boa com diários. Não consigo descrever rotinas e lugares sem deixar que meu interior interfira no relato. Talvez por, como já disse, estar muito mais num processo de auto-conhecimento do que conhecendo, de fato, a cidade. Todos os dias aprendo um pouco mais com a minha própria solidão. Saio a noite, conheço pessoas, jantares e almoços sempre cheios de gente. Tudo tão cheio e tão vazio. Aqui experimento a sensação de ser nada mais do que um corpo estranho. Vago por ruas que desconheço, falo uma língua que não é a minha. Clarice tem sido a minha companhia constante. Por maior que seja a coincidência, o único livro dela que encontrei chama-se "Aprendiendo a vivir". São muitos contos da sua infância e das suas impressões tão ingênuas. E é, justamente, como essa menina Clarice que eu me sinto. Uma menina perdida num mundo gigante. Aprendendo, sozinha, o prazer e o enorme desprazer da solidão. No Brasil, por mais longe que estejamos de casa, ainda temos a nossa língua, o nosso país, o nosso lugar. Aqui não. Tenho duas malas de roupa e alguns objetivos. Objetivos que perderam a razão de ser em meio a tantos sentimentos misturados. Como disse Clarice, um dia, tenho apenas o prazer e o privilégio de estar viva. E, delicadamente viva, como, caminho e durmo. "Sozinha observo melhor as cores". De fato, tenho podido observar melhor as minhas cores. Não deixarei, então, que a minha alma torne-se cinza.

meus dias

Todos os dias um novo ciclo, mais um começo. Abro os olhos devagar, como quem tem medo de deixar o dia entrar. E, de fato, tenho. É sedutora e convidativa a idéia de voltar a dormir, fechar os olhos e imaginar que a cama é a minha, que o quarto é o meu. Doce engano de poucos minutos. O travesseiro, vilão das minhas noites, não me deixa esquecer que os pesadelos são parte da noite de quem dorme. Todos os dias me expulsa para fora da cama e me desperta no susto. Lavo então o rosto, para que a água se misture com as lágrimas e disfarce o rosto molhado. Logo vou tomar banho, e esperar que o chuveiro me afogue.

longa caminhada

Caminho por aí. Durante o trajeto, sem rumo, só vejo pernas e pés que, quase, me atropelam. De cabeça baixa, só olho para o chão, não posso me perder no caminho. É preciso olhar com atenção para saber voltar. Porém, caminho sem olhara para trás. Dessa forma, evito o risco de obedecer ao impulso de querer voltar. Ando sozinha, tropeçando nos meus pensamentos e na minha própria solidão. A cidade é pequena e eu sou menor, ainda. Tão pequena que ignoram a minha existência. Ninguém me acompanha no trajeto, ninguém me dá conselhos ou oferece ajuda. Curo meus medos e desesperos sozinha. Abafo o choro ou choro alto, desesperadamente. Tanto faz. Ninguém escuta ou percebe que eu choro.