terça-feira, 30 de outubro de 2007

exposição

Estou cansada de pessoas bacanas, classe média legal. Não concorde comigo apenas por concordar. Não aplauda minhas idéias, não sou mico de circo para ser “bonitinha”. Tenha opiniões, argumentos, posições. Tome partido, seja parcial. Mostre a que veio, mostre-se por inteiro. Dê a cara à tapa como eu dou a minha para você bater. Tenha coragem! Levante-se, mostre o rosto! Cresça, invente-se! Seja você mesmo. Não me copie, eu não gosto. Não me bajule, eu não gosto. Não puxe o meu saco, eu não quero. Quero ver você por inteiro, por mais medíocre que você seja. Não tenha vergonha de sua insignificância. Lute, para crescer e sair dela. Vamos! A vida tem pressa.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

mais o quê?

Classe média. Comida na mesa. Almoçar fora. Refrigerante e pipoca. Fome? O que é isso? Cinema. Shows. Teatro. Cultura e educação. Colégio bom. Faculdade paga. Oportunidades. Emprego. Carteira assinada. Cartão de crédito. Patrão. Papai e mamãe. Família perfeita. Preconceito? O que é isso? Cachorro, gato, irmãozinho. Vovó e madrinha. Presentes. Natal, aniversário, páscoa. Festas. Inglês. Espanhol. Italiano. Ballet clássico. Plano de saúde. Dinheiro para os remédios. SUS? O que é isso? TV, som e computador. Novas tendências. Cama arrumada. Cobertor e edredon. Banheira quente. Chuveiro a gás. Frio? O que é isso? Brinquedos na infância. Psicólogo. Aulas de etiqueta. Boa educação. Direitos garantidos. Justiça amiga. E você ainda quer o direito de ser infeliz?!

domingo, 28 de outubro de 2007

espelho d'alma

Pele vermelha, grandes manchas escuras em volta, mucosa irritada. Pequenos riscos vermelhos riscam a parte branca. O pequeno círculo central abre e fecha descontroladamente. Disritmia incansável. O globo está brilhante. As lágrimas lhe conferem um brilho único. O anel castanho-claro tem marcas. Não sei se são naturais ou se são as marcas que a vida e o tempo lhe deram. Abro, fecho, torno a abrir. As imagens passam através dele, violentam sua inocência. Fecho para não te ver. Mas sua imagem transcende a realidade. Ultrapassa os sentidos. Te vejo dentro de mim. Olha bem no fundo nos meus olhos. Você verá a minha alma. Me diz, você consegue se enxergar nela?

contramão

Estou correndo pelas ruas da cidade. De vez em quando, olho para trás. Quero ver quanta coisa já deixei passar. Placas, carros, pessoas, são muitos os obstáculos nessa corrida maluca contra os fatos. Corro, corro muito. Corro o mais rápido que as minhas pernas cansadas agüentam me levar. Corro contra tudo, contra o tempo, contra a vida. Estou estafada, cansada, mas não posso parar. Correr tornou-se mecânico, robótico. Passo por muitas coisas no caminho. Nem sei, ao menos, para onde eu vou. Apenas corro. Sempre para frente. Sempre contra tudo. No sentido oposto, vejo que você corre também. Você, corre da verdade. E eu, de encontro a ela.

sábado, 27 de outubro de 2007

meninas de mim

“Vem comigo, querida, pare de chorar!”, disse a menina-mulher para a menina-menina, que estava sentada, chorando no canto de seu quarto vazio. “Ir pra onde?”, perguntou a menina-menina para a menina-mulher. “Ir pra vida!”, respondeu, entusiasmada, a menina-mulher. Então, a pequena e frágil menina-menina levantou-se, enxugou, com as mangas compridas da blusa, as lágrimas que molhavam seu rosto e estendeu a mão para a menina-mulher. Menina, esta, que era a própria vida. A menina-mulher era a menina-menina no futuro. Mais forte e mais corajosa. Elas habitavam um mundo distante, o mundo de mim. Uma ajudou a outra a crescer. Quando a menina-menina caía e não conseguia levantar, surgia a mão da menina-mulher, sempre pronta, sempre forte. E quando a menina-mulher sentia-se fraca demais para sobreviver no meu mundo, a menina-menina aparecia radiante, trazendo consigo a beleza e a graça da infância. Assim aconteceu o mais belo dos encontros: o encontro de mim.

morta-viva

As palavras evidenciam a minha alma. Olha! Vê o sangue que escorre? Veja! Veja além das palavras. Elas mostram o meu eu mais profundo e escondido. Cada letra é um pedaço de mim. Vê as vísceras expostas? Veja! Olhe! Sinta o cheiro podre que sai do meu corpo aberto. É o cheiro dos sentimentos. Eles putrefaram dentro de mim. Veja a dor que pulsa latente na minha corrente sanguínea. Ela corrói as veias, apodrece o sangue. Olhe! Veja! Está vendo o meu coração negro? É a podridão que tomou conta de mim. Olhe! Veja! Sinta a dor de um cérebro amante e retardado. Sinapses descontroladas por algo que não tem valor. Um pus constante sai de dentro de mim. Nada mais pode me salvar. Epilepsia dos sentidos. Amor contido, também mata.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

visita íntima

As portas da cela se abrem. Faz tempo que você não aparece por aqui. Estou faminta, sedenta. Arrumei o pouco que tenho para te esperar. Todos os dias eu arrumo, na esperança de ver as grades se afastarem no início da noite para você passar. Em cima da pequena mesa tem uma caixinha de papelão. Nela, estão guardadas todas as cartas, todas as palavras, todas as promessas de me retirar da prisão que você fez. Você vem me visitar e diz que tem saudades. Ah como são boas e como doem essas palavras! Você, só você, tem o poder de me tirar daqui. Mas você diz que ainda não pode, que ainda é cedo. No fundo, você tem medo. Sabe o perigo que ofereço quando estou fora da prisão. Por isso, de vez em quando, você vem. Ora para alimentar o meu corpo faminto do seu, ora para dar de comer à minha alma carente de esperanças. Hoje, porém, você diz ter vindo para me buscar. Pena que já é tarde e os primeiros raios da manhã alcançam o meu rosto. Hora de acordar. Hora de libertar-me da prisão dos sonhos.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

natureza frágil

Dia de sol, primavera latente. A tulipa amarelo-ouro olhava para o sol, esticava suas folhas, abria-se, lentamente, para a vida. Surgiu, então, de repente, uma bela borboleta roxa. Belas asas, acompanhando o compasso do vento. A borboleta chegou de mansinho, como quem não quer nada. Pousou, levemente, sobre as pétalas macias da tulipa amarela. Se olharam, flertaram. A borboleta sugou, aos poucos, cada gota do doce néctar que a tulipa lhe oferecia. Radiantes, as duas ficaram ali, sob o sol. Porém, uma era tulipa, a outra, borboleta. Uma era livre, e a outra, presa ao amor impossível que a natureza errante lhe deu. Uniram-se, a borboleta e a tulipa, juntaram-se, tentaram. Com todas as forças que tinham, agarraram-se uma à outra. A borboleta, porém, era frágil demais, suscetível demais às belezas traiçoeiras do mundo. Não tinha as raízes fortes e corajosas da tulipa. Passaram mais uma noite juntas. Amaram-se, pela última vez. Junto com o sol, o amanhecer trouxe outra tulipa. Não tinha a beleza amarela da primeira. Mas, não deixava de ser bela. A borboleta acordou, esticou as asas. E a tulipa amarela teve tempo, ainda, de ver a borboleta alçar vôo.

eterno presente

Tenho medo. Medo de viver o futuro de amanhã e esquecer o presente de hoje. Medo de trocar a dor certa, pela alegria incerta. Deixarei tudo para amanhã. Por hoje, apenas cuidarei de limpar as feridas, retirar o sangue morto preso à pele. Amanhã eu vou viver! Mas, será que vale à pena? Amanhã, o futuro será o presente e o hoje de agora, será o hoje de amanhã. E se amanhã, por mais um dia, eu deixe a vida pra depois? E se, na esperança do amanhã, os meus dias de hoje sejam sempre os mesmos? Te espero num futuro que nunca chega. Afinal, é futuro e o futuro nunca acontece. Vivemos o hoje, só sobre ele temos controle. No dia de hoje você não veio. Por mais um dia sento e curo as feridas. Quem sabe, amanhã?

ano que vem

O mundo é vasto. São tantos os caminhos, não é mesmo? Muitas vezes, não sabemos por qual seguir. Como eu, agora. Só sei que ando. Ando pelo mundo, perdida em momentos únicos. Momentos que não voltarão, jamais. O mundo é grande, não é? Temos tanto a conhecer. São tantos os projetos. São tantos os lugares. O caminho é longo, não é mesmo? Andarei sempre para frente. Seguindo o caminho, acumulando memórias. Ano que vem me mudo. Ano que vem me reformo. Ano que vem continuo. Agora vou sentar e esperar a vida passar, o sonho acabar, as lembranças serenarem. Ano que vem me levanto e continuo a caminhada. Mas, só no ano que vem.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

caixinha de música

Queria possuir-te. Ter a certeza de que será minha, para sempre, sempre que eu quiser. Queria abrir a caixinha de música e ver você, bailarina-escrava dos meus desejos. Dança menina, dança! Quero ver o balé clássico da posse. Egoísmo, puro egoísmo. O amor, meu bem, é egoísta. Quero te ver dançar. Dança menina, dança! A música suave embala o amor. Tiro-te para dançar, liberto-te da prisão-caixinha. Dançamos uma longa valsa. “Pas de deux” de sonho. Libertei a bailarina em troca de uma valsa. A valsa acabou. Dança menina, dança! Tarde demais. Ela se foi.

complementares

Roxo e amarelo. O frio e o quente. A sombra e a luz. A morte e a vida. Tulipas. Flores. Em mim, nasceu a amarela. Em ti, nasceu a roxa. Flores, muitas flores. O amor necessita de flores. Fragilidade e força. Geração, superação. Sobrevivência. Fogo e água. Nós duas. Eu e você. Somos cores complementares. Roxo e amarelo. Amarelo e roxo.

porta-jóia

Ela era prateada, como a lua resplandecente no céu da noite. Em volta, uma fita lilás contornava toda a volta. Por dentro, o amarelo vivo fundia-se com o mais belo violeta. Tons luminescentes de roxo envolviam as minhas lembranças. Deixei-as ali. Guardadas e escondidas de mim. Porém, não tive o cuidado de esconder, também, a bela caixinha de lembranças. Deixei-a solta, largada entre os móveis e caixas da mudança. Enquanto fazia, ou pelo menos tentava fazer, a minha reforma íntima. Agora, estou recolocando os meus móveis íntimos no lugar. Abrindo, novamente, as caixas com as roupas, faces e disfarces de mim. No meio de tudo, encontrei a caixinha. Aquela, que não tive o cuidado de esconder. Abri. E, do meio das luzes roxas, surgiu você. A minha mais latente proibida lembrança.

perguntas

Por quê? Por que será? O que aconteceu? Aonde você vai? Você vem para o jantar? O amor acaba? A vida passa? Quando você vem? Você vem mesmo? Cadê os sonhos? Qual é o caminho? Me mostra? Me leva contigo? Me ensina a viver? Quando? Volta comigo? Senta aqui? Deita aqui? Jura? Promete? É eterno? Nada é eterno? Por quê? O amor acaba? Diz que é mentira? Você não volta? Nunca mais? E a saudade? O que eu faço com ela? Sem respostas. A esperança acabou.

religiosidade

Acredito, desacreditando. Sou fraca, sou forte. Odeio e amo, intensamente, igualmente. Vivo, paradoxalmente. Juro, mentira deslavada de minha alma. Acreditei, sonhei, amei. Vivi e sobrevivi. Fiz das mentiras, verdades absolutas. Fiz de suas frases, os dogmas incontestáveis da minha religião inventada. Fiz de você, a deusa soberana de uma doutrina antiga. O amor era a minha doutrina. As lágrimas? Essas eram a água benta da minha alma. Limpavam as impurezas, perdoavam suas mentiras, curavam os seus males. Eu? Ah, eu... Pobre dama, Maria Madalena de uma história contemporânea. Atirem a primeira pedra! Foi você quem atirou. Me surpreendi, nem sem porquê. Já esperava. Mas não me lembrava o quanto doía, descobrir que era mentira a descrente verdade inventada de minha alma.

cantinela

RODA COTIA. A tua vida e a minha. Unidas na roda da vida. DE NOITE E DE DIA. Todos os dias. Até que o tempo pare. Até que a música acabe. O GALO CANTOU. O dia amanheceu. O sonho acabou. O vento soprou. A música parou E A CASA CAIU.

domingo, 21 de outubro de 2007

imobilidade

Sabe, não quero mais chorar. As lágrimas têm machucado a minha alma. Ficarei aqui, parada, estática. Vou sentar no chão da praça e ficar tal qual estátua. Dessas estátuas antigas, que ninguém pára para olhar. E que ninguém entende o porquê de estarem ali, atrapalhando o caminho dos pedestres apressados. Vou ficar ali, imóvel. Esperando a chuva cair. A chuva que infiltra a pedra fria da minha pele. Vou esperar você passar por mim. E, quando você passar, vou torcer para que repare em mim. Para que pare, e me olhe. Me olhe com os olhos de quem ama. De quem vê além da pedra fria, gasta, corroída pela dor e pelo tempo. Vou pedir todos os dias a Deus para que me você me toque. E que as suas mãos quentes sejam capaz de me retirar da pedra gélida, e me libertar da prisão-estátua.

apenas eu

Eu sou eu. Me perguntam quem eu sou. Mas, eu sou eu. O que seria “quem eu sou”? Quem você é para perguntar quem eu sou? Somos nós, apenas. Você é você e eu sou eu. Simples, assim. Eu sou, apenas, eu. Um eu meio inconstante, meio inconseqüente, às vezes. Um eu que chora e que sofre. Um eu que é feliz. Um eu que se questiona. E que nem sempre encontra respostas para os seus questionamentos. Um eu que se transforma. Eu sou eu. Muitas coisas estão incutidas nesse eu. Um eu mulher, meio camaleônico. Meio fechado, quadrado, até. Um eu que sonha. Um eu de diversas faces. Eu sou eu. E me transformo. Eu me transformo em outras.

cortejo fúnebre

Arrumo-me toda. Me enfeito, me perfumo. Preciso colocar uma roupa bonita. Afinal, hoje é o dia. Preciso parecer forte, saudável. Não quero que fiquem falando “como ela está pálida”, apesar da morte aparente. Quero parecer bem. Quero que todos vejam a minha fortaleza. A fraqueza ficará escondida, embaixo da roupa bonita. Olho no espelho. Será que está bom assim? Espero que esteja. Já está na hora de deitar? A cama é bonita, bem confortável, aparentemente. Têm flores ao seu redor, e um bonito véu de renda com a barra de cetim lilás. Deito, fecho os olhos, entrelaço as mãos. Alguém vem e me cobre com o véu. Duas velas acesas. Por que choram? É hora de descansar em paz. Aqui jaz um amor.

sábado, 20 de outubro de 2007

aventura

Navego teus rios, piso em tuas terras, exploro teu território. A terra não tem mais o mesmo cheiro, as roupas não são mais as mesmas. Olho o mapa que há tempos tenho guardado comigo. Ele não corresponde mais a você. Está errado, não existe mais tesouro enterrado. Olho ao redor, onde é o seu sul e o seu norte? Sigo a correnteza ávida de seu rio. Ele corta as montanhas de ti, escorrega pelos seus vales, afunda suas planícies e chega ao nível de seu mar. Mata densa, terra firme, natureza exuberante, intocável. Aventuro-me em suas terras. Estou perdida em você.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

destino?

Você acredita em destino? Nascemos mesmo com tudo marcado, pronto, acabado? O livro de nossas vidas é escrito por quem? Existe mesmo uma “mão superior” que escreve a nossa história? Talvez sim, talvez não. As verdades não existem, são apenas suposições. Se a mão do destino realmente existe, a minha está perdida. Não sei mais em que ponto ela parou a nossa história. Será que ela começou a escrever e resolveu acabar com final trágico? Ou será que ela apenas deu uma pausa? Talvez, ela esteja dando um tempo nesse capítulo do livro de nossas vidas. Agora, pode ser que ela tenha resolvido recomeçar outros capítulos para, depois, terminar o nosso. E aí, no final, juntar tudo e fazer as coisas terem sentido, como numa bela trama de novela. Talvez, ela tenha mesmo parado. Vai ver porque se cansou da banalidade do amor. Suposições, apenas suposições. Porém, antes de as minhas mãos reais, feitas de carne e osso, pararem de escrever esse texto, tenho apenas mais um questionamento a fazer. De quem é a mão soberana? Seria a direita de Deus ou a mão esquerda do Diabo?

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

silenciamento

Lembra? Lembra dos acordes? Diz pra mim, você lembra? Hoje eu escutei tudo de novo. Cada toque, cada batida. Era o mesmo ritmo, o mesmo timbre. Mas ela não era mais nossa. Você não acredita? Eu estou falando sério! É estranho, eu sei. Mas ela não era mais nossa, de verdade. Escutei-a na boca de outra. Entre outras pessoas. Ela não estava mais entre a gente. Não significava mais. Lembra o que ela dizia? Era tudo tão certo, não é mesmo? Pois é. Ela não é mais nossa agora. A boca calou-se, o som cessou-se. E a nossa música, nunca mais tocou.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

ano novo

O ano está terminando. É hora de repensarmos o que fizemos nele, o que pedimos para as mais variadas divindades no seu início. As pessoas pedem tanta coisa. Umas pedem saúde, outras mais dinheiro e outras apenas o suficiente. Eu pedi alguém para amar. Alguém que me fizesse, até, esquecer de mim mesma. Pedi, e fui atendida. Ganhei o mais belo dos amores. O mais forte, o mais avassalador. O mais improvável e, por isso, mais valioso. O ano chegou ao fim e está carregando com ele o amor que me trouxe. O novo ano vai começar e mais pedidos terão que ser feitos. Repetirei o pedido do ano passado com apenas uma observação: que o amor que ele me trouxer dure mais que, apenas, a sua existência.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

(do)ação

O dicionário diz que significa aceitação. Diz, também, que significa legalização e escolha. Definição fria. Meramente formal. Mas não existem formalidades no amor. E, também, não existem escolhas. O destino bate, o amor nasce, a responsabilidade cresce. Saint-Exupéry disse, sabiamente, que nos tornamos eternamente responsáveis pelo que cativamos. Então, não precisa legalização, o amor é legítimo, por natureza. Muitos, talvez, não entendam. Acham que é fruto de caridade, que somos almas bondosas. Mas não, eu digo que não. Somos, sim, pessoas verdadeiramente egoístas. Porque só nós compreendemos a felicidade, a alegria e a emoção que existe no sorriso de uma criança. Mudar uma vida está em nossas mãos. Este é o verdadeiro significado da palavra “adoção”.

medo de amar

Uns têm medo de avião. Outros, de mar. Tem gente que jamais sentirá a sensação maravilhosa de mergulhar de cabeça. Nem no rio e nem nos sentimentos. Alguns têm medo de animais. Outros têm medo de gente. Uns sofrem com a altura. Outros têm pânico de ficar à altura do chão. Alguns enlouquecem, pois têm medo de si mesmos. Outros fecham-se em si com medo do mundo. Uns têm medo da morte, sofrem com a possibilidade do fim. Outros têm medo da vida, e amarguram-se com expectativa do início. Tem gente que morre de medo de sonhar. Esses, têm medo da decepção ao abrir os olhos e vivem sem conhecer a felicidade por medo do sofrimento. E, alguns, sofrem com a mais triste das fobias. Um medo que os torna prisioneiros de si mesmos, que os escondem do mundo e que cega os olhos às cores da vida. O medo, inerente, imutável e insuperável, de amar.

sábado, 13 de outubro de 2007

pois é

Vontade de escrever. Que bom! Abro o word, penso na vida. Na minha e na sua vida. Olho para a tela, ela ainda está em branco. Busco o meu dicionário interno de palavras. Penso nas palavras ditas ainda há pouco. Finalmente, as palavras foram boas. Baixamos as armas, aliviamos o semblante. Pois é, pensei demais. A vontade de escrever passou. Fecharei o word. Não tenho mais nada a declarar.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

vôzinho

Hoje estava te olhando. Você ainda vive dentro de mim. Lembra de quando andávamos de mãos dadas? Lado a lado, a sua geração e a minha. Estava com dor de estômago ontem. Sinto falta dos chás, dos conselhos e dos cuidados quando eu ficava doente. Amanhã é dia das crianças. Estou esperando você vir me buscar para irmos ao centro da cidade passear, tomar sorvete e comprar meu presente. Estou te olhando agora. No outro lado da baía está dando mais peixes. Vamos até lá? Lembra quando íamos, juntos, pescar no fim da tarde? Nunca mais andei na praia. Não tenho mais companhia. Hoje levantei cedo, no mesmo horário que você. A mesa para o café não estava posta, não vi o mamão cortado e a térmica cheia de café. Fui pra aula sem comer. Sinto sua falta. Ainda não me acostumei, apesar de fazer tempo que você partiu. Você ainda está por aqui, eu sei. E, mais tarde, caminharemos novamente juntos. Não por uma vida, mas por toda a eternidade.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

felicidade?

Buscamos tanto a felicidade. Mas o que seria ela? Será que, em algum momento, nos perguntamos o que ela seria? Será que sabemos o que ela representa? Alguns acham que a felicidade se resume ao dinheiro. E que este, até, manda buscá-la. Outros acham que viver com quem amam, é a garantia de uma vida feliz. E, dessa forma, delegam a responsabilidade sobre a sua felicidade a outras pessoas. Pessoas que não conseguem cuidar nem da felicidade delas, quem dirá da dos outros. Alguns acham que a felicidade é ter o que querem e o que precisam à mão. É ter tudo de forma fácil, sem esforço. Mas e quem tem dinheiro e não tem amor? E quem tem amor, mas não tem dinheiro? E quem não tem os dois? E quem tem os dois e não tem saúde? E quem tem um amor, mas não sabe vivê-lo? E quem tem dinheiro e não sabe gastá-lo? Esses são os infelizes. E, como não se pode ter tudo nessa vida, nem muito dinheiro, nem muito amor, vivemos procurando, buscando. E nos frustrando a cada busca perdida. A felicidade é uma utopia.

terça-feira, 9 de outubro de 2007

cicatrizes

As feridas cicatrizam, sabia? Hoje, mais do que nunca, sei disso. Olho para o meu corpo, para a minha alma, e vejo as várias marcas que existem. Algumas são bem profundas, outras não passam de arranhões. Tenho, ainda, algumas cicatrizes que estão abertas. Mas logo elas fecharão. Cuido todos os dias para que elas sejam curadas, superadas. Em algumas partes de mim, as cascas estão começando a cair. Delas, só restarão as marcas que jamais conseguirei apagar. São as marcas da vivência, da experiência e da dor diárias. São os sulcos na face provocados pela erosão das lágrimas. Pelo meu corpo todo tenho, também, marcas de queimaduras. São as marcas deixadas pelo seu toque, pelo toque quente da sua pele. Essas são mais difíceis de apagar do corpo e da memória. São bem profundas e bem doloridas. Mas, quem sabe, o toque frio e gélido de outro corpo consiga neutralizar a ardência, ainda latente, que a minha pele sente.

segunda-feira, 8 de outubro de 2007

gaveta de lembranças

Segunda-feira. Nada de novo, nenhuma novidade. Arrumar o quarto, trabalhar, remoer lembranças, organizar os pensamentos em mim. Finalmente, acho que entendi, acho que aprendi. Me pego passeando por mim, pelas coisas que fazem parte de mim. Sou muito pequena diante da enorme gaveta de lembranças. Mergulho nela como criança pequena, ansiosa por sentir a água gelada da piscina. Na enorme gaveta não tem água, mas sinto o gelo dos papéis e das lembranças acumuladas. As lembranças que passam por mim são frias, agora. As vejo com certo distanciamento. Elas não me atingem mais. Após longo mergulho, saio renovada de dentro da gaveta. As lembranças escorrem pelo meu corpo como a água da piscina. Sento, então, na beirada da gaveta-psicina. Só agora, vendo tudo de cima, é que me dou conta. O fundo da gaveta, formado pelas lajotas da piscina, é o seu rosto. Você é o pano de fundo da minha gaveta de lembranças. Te olho, então, nos olhos. Te vejo ali, parada estática, imersa nas minhas lembranças. Vou te guardar pra sempre ali. Minha doce e triste menina-lembrança.

notícia qualquer

Procuro notícias suas, quero saber de ti. Olho a vida alheia, em busca da sua. Sei que não me fará bem, mas olho mesmo assim. Tenho tudo guardado. Tudo aquilo que um dia eu descobri. Tudo aquilo que me machuca, está numa caixinha escondida de mim. Às vezes, quando saio por aí, a encontro. Revivo as lembranças ruins, lembro de cada lágrima derramada, do pranto incontido durante a madrugada. Tudo dói, tudo machuca. Mas, ainda assim, insisto em lembrar. Talvez para não esquecer de tudo, talvez porque preciso das lembranças ruins para me esquecer das coisas boas. As lembranças ruins me machucam, mas me dão força pra continuar. É quando lembro da dor, que lembro de mim e esqueço de ti. Sou eu a algoz de mim.

domingo, 7 de outubro de 2007

zd

Ela é de domínio público. Faz parte da vida de muita gente, de diferentes formas. Cada um, à sua maneira, estabelece um contato íntimo com ela. Simples em sua magnitude. Perfeita até nos possíveis defeitos. Um ícone, uma inspiração. É pretensão demais escrever ou falar sobre ela. Ela desconhece, mas a nossa história é antiga. Talvez, não “nossa”, mas “minha com ela”. Embalando os meus dias, trazendo força, despertando uma vontade desconhecida em mim. Muito mais do que a artista, muito mais do que a figura pública, ela é a figura íntima. Aquela que tem acesso ao mais íntimo de mim. Sua voz, sua musicalidade, sua sensibilidade, falam ao mais profundo dos meus sentimentos, tocam plenamente os meus sentidos. Olhos, ouvidos, corpo e mente abertos às sensações que só ela é capaz de provocar. A mais bela entre as mulheres. A mais excepcional dentre as cantoras. A perfeição em sentido literal. E, acima de tudo, simples em forma e sentidos. Essa é ela. Essa é a que “vive” em mim. Essa é a “minha” Zélia.

filme íntimo

Não, por favor, não repita tudo de novo. Pra que isso? De que adiantam as palavras que escapam soltas, vazias, vagas de sua boca? Elas não me adiantam mais. Maltratam a alma, pisam, escarram no que sobrou de mim. Guarde-as todas pra você. Engula-as. Agora é tarde para repetir tudo de novo. Não quero mais saber dos seus pensamentos, das suas vontades. Elas não me interessam mais. Para que me incluir nos seus sonhos, nas suas vontades agora? Foi você mesma que, há pouco, fez tudo acabar. Você não quis? Você não planejou? Não, chega, não minta mais pra mim. Sabemos sempre o que fazemos. Somos dotados de inteligência para isso, para ter consciência dos nossos atos. Não peça desculpas pelos seus erros. Eles não têm perdão. Talvez, sim, aceitação. Mas cansei se aceitar. De dar a cara à tapa por você, pra você e por nós. Não tem mais salvação, conforme-se. Amargure sua vida, agora. Viva-a intensamente, como talvez você sempre quis. Mas uma intensidade, falha, pobre, barata, vazia. Vai lá, a vida é sua. Viva, sem propósitos, desprovida de sentidos, sentimentos e desafios. Vai lá, você agüenta. Você é bem forte para o comodismo. Sente-se confortavelmente na poltrona da sua sala, assista sua vida passar, como quem vê um filme bobo numa tarde de domingo. Ah, e não esqueça a pipoca, pois pode ser que seja divertido.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

crescer

Vou te ensinar, olha só. Primeiro você precisa sentir melhor os sentimentos. Sim, é estranho. Mas é isso mesmo. Sentir melhor os sentimentos. Isso é o mesmo que sentir melhor as dores, sentir melhor o amor, sentir melhor o gosto das lágrimas e ser sensível às lágrimas e aos sentimentos alheios. Após isso, é preciso ter mais respeito. Respeito compreende educação, carinho, polidez, compreensão. Compreende, também, entendimento. Entendimento das dores, palavras e sensações das pessoas que nos cercam. Quando cumprimos essas etapas, vem a parte do caráter. Essa é difícil, muita gente desiste por aqui. Mas ela é muito necessária e importante. Ter caráter significa ter princípios, ter palavra. Significa promessas cumpridas, palavras verdadeiras, ideologias reais. Para se ter tudo isso, é preciso, também, responsabilidade. Responsabilidade com tudo que as pessoas nos dão. Para isso, é preciso ter sensibilidade para entender os sentimentos das pessoas, é preciso ter respeito ao que elas sentem, é preciso ter caráter para corresponder fielmente e é preciso ter palavra para manter o caráter. Parece muita coisa, até aqui. Mas, na prática, você verá que a linha que separa essas questões é muito tênue e muito fácil de ser perdida ao longo do caminho. Além de tudo isso, e acima de tudo isso, está o amor. É preciso amar, amar muito, para se ter tudo isso. Mas um amor forte, verdadeiro e consolidado através do respeito, do caráter da palavra sincera e da sensibilidade. O amor de um “eu te amo” vazio, não é nada, e pouco, ou nada, acrescenta à vida das pessoas. Pelo contrário, muitas vezes, ele só tem a retirar e subtrair. Viu, não é tão difícil ser adulta, ser “gente grande”. E, por mais que possa parecer, eu garanto: é muito recompensador.

amor de folhetim

Nada mais é novo. Não tenho mais novidades. Minha vida virou um folhetim barato, uma novelinha qualquer. Enredo simples, história tediosa, um drama normal. Os personagens são sempre os mesmos, as pessoas não mudam, os sentimentos são todos iguais. Amor, ódio, tristeza. A velha tríade pobre, mas sempre funcional. Eu sou a mocinha. Pobre dama injustiçada e sofredora. Você, o amor inatingível, sofredor, inalcançável. E, entre nós, milhares de histórias e vidas paralelas. Não podemos ficar juntas. A distância é grande, o preconceito maior ainda. Estamos fora dos padrões. Jovens e belas aberrações apaixonadas. Na novela da vida, nem tudo dá certo no final.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

impulsos

Quando você sentir vontade de falar, não fale! A humanidade não merece mais mentiras. Quando você sentir vontade de chorar, não chore! O choro requer sinceridade, e sinceridade é para poucos. O mundo não merece as suas lágrimas vazias. Quando você sentir vontade de ficar, não fique! Permanecer, criar raízes, não é para todo mundo. Quando você sentir vontade de voltar, não volte! A vida, certamente, estará melhor com a sua ausência. Quando você sentir vontade de amar, não ame! O seu amor machuca, fere, subtrai a alma.

sepultamento

Apagaram tudo. Pintaram as paredes. Não vejo mais nada, agora. As lembranças foram cobertas pela grossa camada de tinta preta. A parede, que antes era cor-de-rosa, não tem mais cor. É negra, escura, vazia. Não reflete mais nada, não exala sensações. Antes, ela mesclava nuances num belo sonho com a cor original das rosas. O quarto reservado aos sonhos tinha perfume, um cheiro gostoso, suave, adocicado. Hoje, para combinar com a negritude as paredes, o ar é fétido, podre, pesado. Fruto da decomposição dos sonhos. Já corroídos, comidos, decompostos pelas bactérias da traição, da falta de amor, de moral e de caráter.

nada

Ideologia barata, falso brilhante roubado. Palavras avulsas e falsas. Caráter falho, pobre. Moralidade comprada, dicionário engolido, enfiado goela abaixo. Discurso decorado, vazio. Vida sem sentido, futuro perdido. Robô frio, sem sentimentos. Estrada tortuosa, sinuosa, perigosa. Viagem perdida, desperdiçada. Mulher fácil, fútil, mercadoria qualquer. Você é nada, com a sua pobre dignidade comprada.

terça-feira, 2 de outubro de 2007

mãe

Agora eu sou capaz de entender. Agora posso entender o amor e o ódio que te deram vida, e destruição ao mesmo tempo. Entendo, agora, de onde vinha a força de cada dia. De onde surgia a coragem diária, a vontade e a garra constantes. Entendo de onde surgiu a mulher batalhadora, incansável, inconsolável. Entendo, também, de onde surgiu a amargura e o porquê de tantas lágrimas incontidas com o passar dos anos. Entendo, agora, os olhos marejados, vidrados, parados. Quase mortos, às vezes. Entendo o olhar perdido, vagando nas viagens distantes do seu pensamento. Entendo, hoje, a dureza e a rispidez aparentes. Entendo os seus motivos, as suas glórias. Reconheço, ainda mais, os seus méritos. Hoje, sou capaz de identificar e compreender cada marca, cada ferida que seu corpo e a sua alma trazem. Entendo a fortaleza que você construiu em si. Entendo o excesso de proteção e a sua alma fechada para o mundo. Entendo a sua relutância em abrir-se aos sentimentos. Entendo o apego à raiva, ao ódio. Entendo as palavras duras e cruéis que, algumas vezes, você disse. Hoje, finalmente, eu te compreendo, mãe.