terça-feira, 27 de maio de 2008

camaleônica?

Disfarces, são tantos os que existem por aí. Só eu, burra completa, não aprendi a usá-los. Não sei camuflar-me. Afinal, nasci mulher e não camaleão de sangue frio. Rastejo, nua e à mostra, sem roupa ou fantasia que me proteja da selva urbana em que vivemos. Encosto-me na árvore de mentiras e fico ali, descoberta, verdade vazia. Não sei colocar a máscara da frieza, da indiferença ou, então, ficar inerte aos princípios e valores – esquecidos – desse mundo. Preciso viver. Mesmo que rastejando, suja e nua pelas calçadas e pelas ruas. Preciso viver. Viver tudo o que me cabe. E, por não viver, é que muitas vezes me desfaço em pedaços. Pedaços de ódio mal-vividos. Fragmentos esquecidos de amor.

pretensiosa realidade

A vontade é de ficar o resto da vida ali, mergulhada na infância perdida. Nos pedaços de papel amarelado, o retrato de uma criança esquecida. Tantos são os fragmentos. Coletânea mórbida de papeis brilhantes. Todos reunidos no interior da capa dura, igualmente amarelada. Cada pose, cada gesto, esconde os dias e as noites que vieram antes de a luz de um flash captar aquele ínfimo momento. Noites mal dormidas, dias que passaram mais rápido que o vento, mais rápido que o piscar de nossos olhos. Cada imagem, cada sorriso, todos tendenciosos, mostrando uma verdade inventada. Nunca vemos os dias ruins num álbum de fotos. Mas, são eles que nos levam de uma foto feliz à outra. A nós, resta viver os intervalos.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

idas e vindas

Umas resolvem ficar, outras vão e jamais voltam. Outras são eternas lembranças de uma mente que, sequer, tem certeza se viveu, de fato, tudo o que lembra ou se, apenas, imaginou tantos detalhes usando sua imaginação fértil de criança. Algumas, ainda, vão embora sem deixar rastros ou pistas que indiquem o caminho que escolheram. E, de repente, sem falar nada, sem fazer barulho no portão, entram pela porta da sala da nossa casa. Entram, sentam no sofá e perguntam o que tem pro almoço. Assim, simples, como se sempre tivessem estado por ali, esperando a mesa ser posta e o almoço ficar pronto. Outras, não se afastam jamais. No entanto, nós acabamos por nos afastarmos delas. Então, quando menos esperamos, as lembranças ressurgem vívidas, ávidas, fortes, coloridas na lembrança. E relembramos com saudades daqueles que perdemos ao longo dos longos caminhos que percorremos pela vida. Mas, por hoje, chega. Vou guardar as outras lembranças para o próximo banco de praça em que eu possa me sentar e relembrar, reviver. Quem sabe, no próximo banco, você seja, apenas, mais uma dessas pessoas. Dessas que a vida encarregou-se de deixar na lembrança.

domingo, 4 de maio de 2008

memórias de um suicida

Seguro a faca afiada com força. As mãos quentes pelo sangue que corre esquentam, também, o cabo gelado da faca empunhada. Rasgo a pele e o sangue escorre. Limpo o líquido vermelho e pungente que insiste em escorregar pelos retalhos de pele grossa. Está frio, mas o calor do sangue me esquenta. A dor é gritante. Tão gritante que me cala, sofrendo quieta e muda. A memória se confunde com as impressões de agora. Não sei se choro pelo presente ou pela dor de outrora. Nem sei, ao menos, se o líquido quente e salgado que agora pinga dos olhos é sangue ou lágrima. Continuo recortando-me. Pedaço por pedaço, víscera por víscera. O sangue, agora, corre com mais força. No que sobrou do corpo, nos pedaços da alma e, também, nas pedras da calçada.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

crescer dói

A vida passa, devasta os anos, furiosamente. O tempo corre, galopa cada dia mais veloz. Na correria, perdidos no tempo, não achamos espaço para parar um pouco. Para rever conceitos, reavaliar o passado. E, quando finalmente paramos, é quase impossível acreditar que tanto tempo já passou, que tanta vida foi deixada para trás. Aí, vem aquele momento em que pensamos: “eu era feliz e não sabia”. E relembramos a infância. O tempo em que a praia era limpa, em que o verão era quente, em que a vida passava lentamente. Conseguimos, até, nos enxergar pequeninos. Às vezes, naquela época, reclamando da vida. Reclamando da nossa grande responsabilidade de carregar o baldinho até a praia, quando, tudo o que queríamos, era ir com as mãos vazias, soltas sentindo a brisa do mar. Ah, se soubéssemos! Se conseguíssemos prever o futuro e nos ver hoje. Adultos com medo da vida, do tempo, ou da falta dele. Se pudéssemos, realmente, enxergar além do nosso mundo de criança, certamente aproveitaríamos mais. Ou não. Viveríamos angustiados com a certeza de que a parte simples e feliz da vida dura tão pouco.