domingo, 30 de setembro de 2007

cruel, como você

Dói agora, não é mesmo? Que bom! É para doer mesmo. Incomoda, não é? Que bom! É mesmo para incomodar. A dor que você sente, eu garanto, jamais será metade da que um dia você me fez sentir. Machuca tanto, não é? Que bom! A sua infelicidade é o maior objetivo agora. As palavras são cruéis, não é? Como eu sei a dor das feridas que elas provocam na alma. As feridas são profundas, demoram muito para fechar. E, o pior, às vezes, jamais se fecham. É difícil viver sob o peso e a fúria das palavras, não é mesmo? Mas você consegue. A cobra não morre com o próprio veneno. Então, você sobreviverá às palavras, apesar de ser dolorido. Você chora agora? Que bom! Não sinto pena, nem dor e nem remorso. Tantas vezes eu chorei também. E tantas vezes você nem ligou. Sofri a minha dor sozinha, amarguei os meus dias calada. Se, agora, posso amargar os seus, que bom! Quero muito que você seja feliz. Mas só depois que você já tiver experimentado todas as formas de infelicidade.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

profundezas

Eu não posso ou, talvez, nem queira. Eu queria, eu acho. Mas não sei se posso. E, se eu posso, acho que não quero. Eu gosto, mesmo não podendo. Me dizem que é errado, que é pra eu esquecer. Mas não vou. Aliás, vou. Vou guardar tudo. Sofrer tudo. Chorar tudo de uma vez. Inundar o mundo, alagar a alma. Me afogar, transbordar. Verter sonhos. Overdose de sentidos. Colapso nervoso, incontrolável. Engolir tudo, até me engasgar. Até não agüentar mais. Até desistir. Até sucumbir. Até perder a memória de mim e de ti. Até recuperar os limites do eu. Recuperar as fronteiras invadidas. Até morrer numa guerra perdida. Até dormir um sono profundo. Um sono de morte. Vou mergulhar de cabeça no mais fundo de mim.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

claridade

Apago a luz. Fecho os olhos, escondo o rosto. Quem sabe no breu eu consiga fingir que é você. Quem sabe com o nariz e os olhos fechados eu consiga enganar os sentidos. Tapear os sentimentos. Trapacear o meu corpo. Quem sabe, abstraindo-me da realidade, as mãos que agora tocam tornem-se as suas. Escondo-me do mundo, os impulsos cegos e tolos estão no comando agora. O governo deles dura pouco. Somente o instante necessário para acender a luz. O clarão ofuscante me traz de volta à realidade. À realidade dos sentidos.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

(re)viver

"aí
conhecer e envolver
morrer e recomeçar
voltar e repensar
aqui
amor e paixão
tensão e tesão
carinho e satisfação
agora
saudade e carência
momentos e certezas
tempo e ansiedade
volte
não me faça esperar
te quis e quero como ninguém
dói o peito, euforiza a alma
vou
mas tranque a porta
me prenda no teu eu
não me deixe sair de ti"

(autora conhecida, mas que não será nomeada)


Encontrei o texto acima vasculhando lembranças. Abri a caixa de um email que há tempos não utilizava e me deparei com esse texto. Ele integra a parte mais doce das minhas memórias e, também, a parte mais amarga delas. É, a partir dele, que eu tenho a dolorida certeza de que o "pra sempre" não existe, e que o tempo futuro não passa de uma ilusão vil e pretensiosa do nosso ego.

invasão

Olho as suas fotos. Ainda estou tentando enganar os meus sentidos. Fecho os olhos e apago a luz para não ver. Tampo os ouvidos para não ouvir os gemidos que não são seus. Encolho as pernas para não tocar as coxas que não são suas. Escondo a boca para não sentir outro gosto que possa apagar a memória do seu. Mas não adianta. Fico feito boba tentando me livrar das lembranças, da memória cravada, inalterável. Tenho apenas duas mãos. Duas mãos para cinco sentidos. Se fecho os olhos e os ouvidos, sinto o cheiro e o gosto seus. Se tampo o nariz e a boca, os olhos vêem, os ouvidos escutam, e os sons e as imagens machucam a alma. Se escondo as mãos, a face fica livre, e as suas impressões doem ainda mais. Estouram os tímpanos, cegam os olhos, mordem a língua, tiram o ar, arrebentam a pele.

sábado, 22 de setembro de 2007

luta

Invasão de pensamento. Você entra sem pedir licença, sem saber se é bem vinda ou não. Não bate à porta, não chama, não faz barulho, não faz alarde. Simplesmente invade. Entra nos momentos mais impróprios, mais íntimos e mais privados. Não te convidei, não te dei passe livre. Mas você entra mesmo assim. Invade a mente, violenta o corpo, alucina os sentidos. A cada dia luto contra a sua posse. Retomo os pedaços que eram meus. No outro dia, porém, você invade novamente. Faz suas as terras que são minhas. Todo dia organizo o meu exército para mais uma batalha contra você.

quinta-feira, 20 de setembro de 2007

fotografias

O mural já não é mais o mesmo. Retiro as fotos uma a uma. Cada pedaço de papel é carregado de significados. Cada momento gravado ali é repleto de lembranças e sensações. Rasgo as fotos. Como quem rasga lembranças. Como quem tenta limpar a memória, deletar sentimentos indesejáveis. A lixeira está cheia agora. Cheia de pedaços incompletos. Quebra-cabeça sem peças. Não temos mais o que montar. Não adianta tentar montar. Ele está incompleto. É em vão, é inútil a tentativa. Num pedaço de papel rasgado, abandonado, estão os seus olhos. Em outro, suas mãos. Cada parte de ti está ali. Partes importantes de ti. Mas que não têm mais significado. Não dá mais para tentar remendar as fotos. Elas perderam o sentido agora.

olhos nos olhos

"Quando talvez precisar de mim
'Ce sabe que a casa é sempre sua, venha sim
Olhos nos olhos, quero ver o que você diz
Quero ver como suporta me ver tão feliz"

(Chico Buarque)

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

passou

Ontem, te deixei. Finalmente eu acho que te deixei. A despedida é sempre triste, sempre dói reler as palavras doces e relembrar as passagens ainda frescas na memória. Mas, por mais que tenha te perdido, eu ganhei. O vento frio que cortava a noite, a lua ausente na noite que já ia alta, nada mais me lembrava você. Andei muito, falei muito e senti muito. As sensações e os sentimentos mais estranhos me tomaram, de súbito. Estranhos? Não. Eles eram velhos conhecidos de mim. Apenas eram estranhos por acontecerem. Afinal, não eram mais os seus olhos, o seu rosto, a sua boca, a sua língua. Eram outros, completamente diferentes em gosto e sentido. Mas eram reais. E igualmente reais, foram as sensações por mim experimentadas.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

beijo

Ainda lembro a textura da pele. O gosto e o cheiro só teus. As coxas nas coxas, teu corpo no meu. Os paladares de outras línguas, agora amargam o meu. Deixam acre o sabor da boca. Nas bocas em que te esqueço, te encontro. E nas bocas em que te procuro, não te esqueço. Por mais diferentes, diversas, distintas que as bocas sejam, o sabor do beijo é sempre o mesmo no final. Perturbador sabor de saudade do beijo teu.

amor qualquer

Amor morno. Sem rompantes e sem imprevistos. Destes com o qual a gente vai ao shopping no sábado e passeia de mãos dadas no parque aos domingos. Amor para assistir TV. Para sentar na sala e ficar sem fazer nada. Amor para conversar, para bater papo. Sem muitas alegrias, mas, também, sem muitas decepções. Amor com cumplicidade. Amor com o olhar, com o toque, com os sentidos. Um amor para qualquer hora. Amor sem medo, sem culpa, sem preconceito. Eu só queria a sorte de um amor tranqüilo. Um desses amores quaisquer. Desses amores de mercado, de feira. Desses amores da vida.

sábado, 15 de setembro de 2007

mulheres

Um dia eu achei, e acreditei, que as mulheres eram diferentes. Sempre pensei que com elas não passaria por tudo aquilo que sempre odiei e repudiei. É triste, dói agora. É difícil ver que o meu discurso bonito está desabando. E justamente em cima da minha cabeça. As palavras mentiram, me iludiram, me enganaram. Fui passada para trás. Nada há de diferente nas mulheres. Elas mentem, são cruéis e falsas. Se integram bem ao resto da humanidade.

primeiro susto

O primeiro encontro, o primeiro olhar. Aquele primeiro momento em que tudo aconteceu. O primeiro beijo. A primeira noite, o primeiro dia. O primeiro toque. A primeira vez em que senti o teu cheiro. As primeiras palavras, a primeira conversa. As primeiras certezas, as primeiras dúvidas. A primeira música, aquela que se tornou a principal. As primeiras coincidências. As primeiras flores. A primeira vez em que fomos feitas uma para a outra. O primeiro “eu te amo”. Os primeiros apelidos. A primeira briga. A primeira palavra não dita, engolida, guardada. A primeira perda. O primeiro amor. As primeiras lembranças. O céu é azul, o teto é branco, a parede é areia. E você é o risquinho da tattoo. Lembra?

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

sons

Escuto ruídos estranhos. Não identifico mais os sons que ouço. Levo as mãos aos ouvidos, não quero escutar o som que escuto. O timbre sempre tão doce, tão agradável, agora arranha meus tímpanos. A voz doce e rouca que sempre escutei, que era a trilha dos meus dias, agora machuca, dói, tem som de marcha fúnebre no cortejo da minha alma. Os sons perderam o encanto, as notas são todas iguais. O som que agora me invade, não mais transforma o ser em mim, não mais me mostra o futuro. A voz segura de si, a voz que embalava a esperança de dias melhores, deixou de existir. Perdeu-se no tempo e no espaço. Talvez não tenha sido forte o bastante para chegar até mim, já que a distância física era tanta. Sinto tudo tão distante, tão longe. A tua e a minha alma, que sempre foram tão próximas, estão soltas, dispersas. O eco que as unia parou de gritar dentro de mim. Fora a minha voz tão fraca, tão pouco ressoante para te alcançar? Será que faltou gritar, berrar, arranhar a garganta ainda mais? Não tem mais encontros, as vozes não mais prometem mudanças. Não há mais junção de timbres, sons vagos e gemidos. Nossas bocas separam-se, as línguas não mais desenvolvem os mesmos movimentos. De tudo, restou apenas um silêncio maldito, denso, ensurdecedor.

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

olhos nos olhos

"Quando você me quiser rever
Já vai me encontrar refeita, pode crer
Olhos nos olhos, quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais"

(Chico Buarque)

catulo

"Odeio e amo. Talvez queiras saber 'como?'
Não sei. Só sei que sinto e crucifico-me."

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

eterno retorno

Um dia, em algum dia do nosso passado, você me pediu um minuto do meu tempo. Disse que iria aproveitá-lo, e nesse minuto, nesse ínfimo minuto, você me deu anos futuros de alegria. Nesse um minuto sonhamos uma vida. Sonhamos a nossa vida. Tantos planos, tantos pedaços de nós foram, aos poucos, se juntando, se completando. Palavras e mais palavras. Gestos, mãos soltas, abraços infinitos, íntimos, nossos. Vivi minha vida inteira em apenas alguns meses. Como se estivesse de mudança pra algum canto só nosso e precisasse juntar a minha vida inteira de uma vez só. Mudei-me para ti, para dentro de ti. Abandonei a minha casa, o meu habitat. E agora, quando retorno, custo a retirar a poeira dos meses de ausência de mim. Organizo novamente as minhas gavetas, arrumo nossas coisinhas em algum lugar escondido, protegido desse mundo cruel. São as minhas lembranças mais doces, e as que mais me machucam. Tento tirar você de mim, mas não posso, não consigo. Tomo banho, lavo os cabelos, esfrego o corpo na tentativa frustrada de limpar você de mim. Arrumo a cama, dobro as cobertas, tiro os seus cabelos do meu travesseiro. Abro as janelas pra ver se, na rua deserta de mim, passa alguém à toa, distraída. Quem sabe, afim de tomar um café com o que restou de mim.

o que me importa

"O que me importa
Essa tristeza em seu olhar
Se o meu olhar tem mais
Tristezas prá chorar
Que o seu"

(Marisa Monte)

terça-feira, 11 de setembro de 2007

tudo igual

Nada mudou, apesar de todas as mudanças. Espero tanto, ainda quero tanto. Tudo permanece do jeito que você deixou. As fotografias ainda são as mesmas, permanecem inalteradas, imóveis no lugar sagrado de antes. Tudo ainda guarda você. Cada parte de mim ainda lembra o toque, a pressão das mãos, a intensidade do beijo. Não me reconheço mais e, ainda assim, me encontro em ti, me busco em ti. Toda noite, antes de dormir, olho para o vazio escuro do meu quarto. Lembro de quando, apesar do breu, os olhos ainda enxergavam. Não com a visão de ver, mas com a visão de sentir. Aquela que dispensa as pálpebras, a luz, os olhos. Lembro de quando o cheiro guiava as noites, revelando o mapa escuro de nós duas. Lembro de quando o meu sono era tranqüilo, e eu adormecia sorrindo feito boba, alegria incontida na face. Lembro de quando a única certeza que eu tinha era a do teu olhar pela manhã, do “bom dia” e do sorriso doce. Lembro de cada parte, cada detalhe da imensidão de tudo em nós. E espero. E te espero. Preciso de ti, para completar a outra parte do infinito em mim.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

diante do espelho

Olho para o espelho e converso comigo mesma. Me digo: - Você será forte, mulher. Você vai conseguir. Decoro palavras duras, ensaio discursos rudes. Pego o dicionário e leio rapidamente. Procuro aquela palavra que será capaz de te machucar, que irá arranhar a tua alma. Combino fonemas, rimo palavras difíceis. O que será que vai doer mais em ti? Ensaio tantas e tantas vezes. Digo ao espelho tudo aquilo que você deveria ouvir. Invento verdades, duras verdades. Falo tudo aquilo que está entalado na minha garganta, atravessado no meu peito. Discurso em vão, inútil. Mas ainda assim, tento. Muito mais para me convencer das verdades que invento do que para te machucar com as palavras que digo. Quero, um dia, poder acreditar em tudo o que falo. E, quem sabe, conseguir te dizer tudo aquilo que só o espelho e as paredes mudas escutam.

dois bicudos

"Mas sempre tinha um amigo pra falar
Que o nosso amor nunca foi feito pra durar"

(Ana Carolina)

pedidos

Sentada em alguma janela, olho o mar. Olhos vidrados, parados, estagnados nas ondas cíclicas. Mergulho, então, num mundo distante, surreal. Acho que é o mundo de mim. Fecho os olhos, sinto a brisa forte batendo no meu corpo, atravessando a minha pele, rasgando as minhas entranhas. Cabeça na areia, rosa branca entre os dedos, sete ondas, olhos fechados, ainda. Devoção e respeito. Olho a rosa à deriva, partindo aos poucos e sem pressa. Peço você à Iemanjá.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

tempo

Hoje sentei na sala de casa, tomei um café, voei pelo tempo e pelo espaço. Já estamos em setembro. Este ano passou tão rápido. E sinto que vivi plenamente apenas três, dos nove meses que se passaram. Durante o primeiro mês te conheci. Conversas, afinidades, descobertas. Entre este e o segundo veio a espera, a ansiedade, os sonhos. O segundo mês foi o momento de afirmação de tudo, a confirmação daquilo que foi construído sobre o terreno vazio e vago das palavras. O terceiro mês, talvez, o mais esperado, o mais sonhado, foi aquele em que tudo se fortaleceu. Onde as certezas tornaram-se mais certas e mais redundantes. Em todos os intervalos entre os meses vividos, a vida passou, simplesmente. Agora me pergunto em que mundo eu estava, que não vi que relógio da Terra andou tão depressa. Não vi a vida passar por mim. Acho que estava sentada em algum outro mundo, numa espécie de transe. Vai ver era o mundo da Lua. Ou, quem sabe, o mundo daqueles que amam.

sombras

Ando por aí, sem rumo, sem destino. Caminho pelos dias frios, sombrios, escuros, apesar do sol forte que desenha sombras pelas calçadas antigas. Procuro uma parte de mim, esquecida, ou, talvez, sempre lembrada. Acho que a perdi pelo caminho, pela longa estrada que percorri um dia por alguém, por algo, por sonhos. Nada mais restou de grande porção de mim. Da melhor parte de mim. Era tão grande e, ao mesmo tempo, tão frágil, tão leve, tão tênue, que não devo ter percebido quando, em algum momento do longo caminho, a deixei cair, escorregar, deslizar pelas minhas mãos. Agora me pergunto como pude, como deixei acontecer. Me sentia tão forte quando a grande porção leve de mim andava ao meu lado. E, de repente, ela caiu, partiu-se, acabou. Ando agora procurando. Buscando em cada canto, em cada parte, em cada lugar inabitado, a porção maior de mim. Ou outra qualquer que sirva, que seja capaz de me preencher como a antiga porção de mim. Olho as sombras projetadas na calçada. São como as sombras que vagam e bailam dentro de mim. Vejo as sombras, sinto as sombras, mas não sou capaz de ver os objetos. A visão está turva, embaçada. Talvez pelas lágrimas que não saíram, que ficaram paradas, imóveis, incapazes de cair pela face. O jeito agora é olhar para dentro de mim, procurar a minha porção esquecida, ofuscada pelo brilho e pela intensidade da minha porção perdida.

bandeira

"Não quero medir a altura do tombo
Nem passar agosto esperando setembro
Se bem me lembro"

(Zeca Baleiro)

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

comigo mesma

Nunca tinha parado pra pensar no tamanho da cidade. Hoje vaguei pelo centro, lembrei de mim, procurei a infância. Busquei as marcas do passado, do mais distante de mim. Daquilo tudo que não me lembro, que a memória dos fatos recentes apagou. Hoje andei por mim. Pelas minhas ruas, pelas minhas calçadas. Marquei encontro comigo mesma, tomei sorvete sentada comigo na praça. Foi bom, muito bom o encontro comigo. Eu, comigo mesma, sem ninguém pelo caminho. Uma conversa franca, de amigas antigas, de longa data e que há muito não se viam. Sentei comigo no meio-fio, olhei as árvores, os carros o movimento e o ritmo da cidade de mim. Namorei comigo, fiz de mim a minha eterna namorada.

então vai

Passo dias escrevendo, trancada no quarto, fechada para o mundo. O que eu posso te falar sobre o sol, se eu não olho mais para fora e mantenho as janelas sempre fechadas? Você me pediu palavras duras. Disse para eu falar o que você precisava ouvir. Mas de que adiantam as palavras, quando o que te falta eu não posso dar? Você precisa de coragem para enfrentar seus medos, para enfrentar você. O mundo não é o problema agora. Ele é a solução, a sua justificativa válida, a sua desculpa. Mas tudo bem, não posso ter a pretensão de te ensinar algo da vida. Eu nem ao menos sei lidar com a minha vida agora. Eu não tenho mais nada a dizer, mais nada a declarar. Vai lá, boa sorte! Volte para a sua vidinha. Quero que você seja feliz. Vai lá, prometo ser sua cúmplice. Serei cúmplice dessa mentira bonita que você inventou. Vai lá, eu ajudo. Juntas, esconderemos do mundo as verdades que incomodam a tua alma. Ajudo, principalmente, a esconder de ti. Nada de palavras rudes, ásperas, doloridas. Pra ti só palavras doces agora. A vida é boa, o dia é belo, as noites são frescas como nos dias de verão. Chegou a hora de você partir, não se atrase! Vai logo, sem culpas. Não se preocupe comigo, não olhe pra trás. Você vai ser feliz, ao menos por um tempo. E quando a vontade de regressar bater à sua porta, não volte.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

mil pedaços

"E tanto faz
De tudo o que ficou
Guardo um retrato teu
E a saudade mais bonita"

(Legião)

adeus

Eu morro, toda noite. Perco a vida, perco o sono. Durmo por não ter outro remédio para que o tempo avance o mais depressa possível. Eu renasço, toda manhã. Vivo por não ter outro remédio que faça os dias voarem para que a noite chegue mais uma vez. Um sopro de vida me reanima na hora do café da manhã. É a esperança de cada dia. A esperança vazia, solta, apagada. Mas é, também, aquela que me traz você por alguns instantes ilusórios. É ela que me faz ver teus olhos, escutar teu riso, sentir teu toque. A noite vem, e me tira tudo isso. É o golpe, a dor da perda, a morte, o enterro dos sonhos. Amanhã, acordarei com a brisa gelada da vida esvoaçando os meus cabelos. Apagarei a luz agora. Adeus, meu grande amor.

domingo, 2 de setembro de 2007

l'avventura

"Acho que sempre lhe amarei
Só que não lhe quero mais
Não é desejo, nem é saudade
Sinceramente nem é verdade
Eu sei por que você fugiu
Mas não consigo entender"

(Legião)

aos vinte anos

Hoje as pessoas diriam que é o meu dia. Festa, amigos, família, casa cheia. Presentes, desejos, felicitações. Porém, tudo o que eu queria não vem. E o pior, eu sei que não virá, mas, ainda assim, espero. Aguardo ansiosamente a ligação que não faz o telefone tocar. Meu estômago contrai-se a cada toque da campainha. Mas eu sei que não é você, antes mesmo de abrir a porta. Olho o relógio, você está atrasada. Um atraso longo, demorado. Você não vem, eu sei que não. Mas esse é o único sonho que restou em mim. Queria que você estivesse ao meu lado agora. Queria que você estivesse aqui. Os presentes não fazem diferença, as pessoas, apesar de queridas, não são você. Assopro as velas, tenho um único pedido, não é? Um único pedido e a certeza de que nada muda aos vinte anos.

datas

Hoje fico mais velha. Sentada na cama, olho redor. Vejo o mural pendurado na parede. Várias fotos, muitos momentos eternizados, guardados, retidos para sempre no papel. Representação de uma realidade há muito perdida, deixada para trás. Olho pra inocente menininha loira, sentada na grama, flores nas mãos. Tão linda, tão meiga. Ela cresceu, perdeu a inocência. Logo ao lado, a menininha está mais velha. Pequena mocinha, descobrindo a vida. Do outro lado, avisto a mulher de hoje. Ou melhor, a mulher de alguns dias atrás. De quando ela ainda era feliz, de quando ela ainda sonhava. Capacidade trazida desde a infância, carregada durante a adolescência e perdida agora, depois de grande. Mas tudo bem, os sonhos são apenas uma parcela do que perdemos ao longo da vida, durante o longo caminho que percorremos. Aos poucos, nos acostumamos com as perdas. A cada ano, a cada aniversário comemorado, deixamos mais e mais coisas para trás. Adquirimos experiência, e a certeza, cada vez mais latente, de que o mundo é, a cada ano, mais cruel e vil.

sábado, 1 de setembro de 2007

pensamentos

Lugar cheio, tanta gente em volta. E eu estou sentada, apenas observo. O pensamento vai longe, há muito tempo o que está ali sentado é apenas o meu corpo, a parte besta de mim. Olho ao redor, olho as pessoas. Se lembra de quando a gente acreditava que passaríamos muito tempo com nós duas? Olho o casal logo a frente de mim. Dá vontade de avisá-los que a felicidade não é eterna. Dá vontade de dizer “ei, nada dura pra sempre como a gente sempre acredita”. Sinto raiva do mundo. Odeio a felicidade alheia. Quero que o mundo acabe, que tudo se acabe. E quanto a você, aproveite e pegue carona para o inferno.