quinta-feira, 31 de julho de 2008

escolhas

Céu de estrelas híbridas. Inferno de dúvidas. Céu e inferno, afinal. Inferno de pedra absolutamente confortável. Inferno para alguns, céu para outros. Ou, ainda, o paraíso. Confusão de sensações e vontades. O inferno pode ser bom e nunca mais quero ir embora. No fundo, tudo quer me prender. Um “tudo” forte, que tudo invade. Foi logo, foi rápido, nem deu para respirar, pensar entendimento ou ponderar situações. Apenas sentir. Apenas sinto. Vem comigo. Inferno, céu (ou paraíso?). Conceitos relativos?

sábado, 26 de julho de 2008

herança genética

Miro, profundamente, o espelho. E te vejo, ou me vejo então, ali. Somos duas e uma só. Duas porque sofremos e amamos diferente. Mas, uma, porque sou parte de você. Como você é tão parte de mim. Olho seus olhos através dos meus próprios e vejo a idade diferente nas marcas da pele. No entanto, as lágrimas que escorrem dos meus e dos seus, têm a mesma razão de ser. Derramamos o mesmo líquido salgado e sofremos tal qual a outra. Não temos o mesmo corpo e nem as mesmas convicções. Mas, o amor que nos cega, nos torna iguais na carne e na alma. Você é meu modelo. E até nisso copiei seu rastro. Fiz igual, sofro igual. E já não percebo mais as diferenças tão visíveis de outrora. O amor que nos cega também nos mistura. Mistura híbrida e única. A mesma carne, o mesmo gene, mãe e filha, afinal.

oração

Pontadas, agulhadas, perfurações. Todos os dias meu corpo padece e implora pelo fim da tortura sem nome, sem dignidade e sem face. Cada dia as lágrimas nascem no canto dos olhos com uma força infundada. Força e água que não sei de onde vêm. Pois há muito sou deserto parado, esperando ansiosamente pela morte, meu verdadeiro oásis. Sonho, viajo. Imagens que vêm à mente entre os intervalos alucinógenos da dor que me arde. Sinto tudo. Cada parte de mim grita e se desespera. Todas as noites, eu rezo. Canto louco que me escapa à boca. Não me acorde amanhã. Me deixe dormir, eu imploro. Amém.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

marca ácida

Face vermelha, queimada. Rubro rastro deixado pelo pequeno córrego de lágrimas. Pequeno, mas constante. Ácido cortante que escorre de meus olhos. Tão ácido que me cega, só consigo senti-lo. O turbilhão de águas volumosas que outrora derramava, aos poucos foi diminuindo. A água de meu corpo, devagar, foi tornando-se escassa. Escassez quase desértica. Deserto de sentimentos, clima árido que impede qualquer semente de gerar frutos ou árvore frondosa. A única vida que ainda resiste são meus olhos cegos. E o único liquido que de mim escorre é a salgada lágrima que me destrói. Preferia a tromba d’água que me arrebentava os olhos furiosamente. O choro fraco e constante é o que mais dói a alma agora.

terça-feira, 22 de julho de 2008

dom de fazer profecias

Um dia ela estava andando. Andanças rotineiras pelos vales do sul. Sobe, equilibra-se no parapeito estreito, abre os braços e cai. Cai até sentir a pedra áspera do asfalto arranhar-lhe o corpo e a alma. Imóvel, incapaz, perde os sentidos. Sente somente a dor que corta-lhe os músculos e a carne, que parte os ossos em pedaços. Abre os olhos, olhos etéreos, não mais são feitos de carne. Olha-se então, esticada, e sente as dores do corpo que não mais lhe pertence. Grita, berra. Mas, pobre moça, ninguém a escuta. Não há mais garganta ou boca para profanar o desespero que sente. Desfigurada, desconsertada, não sente, apenas, a dor de sua matéria mutilada. Mas, também, o desespero de não conseguir chegar perto do corpo que há pouco era seu, tamanha a aglomeração. Ao longe, vem alguém correndo, cada vez mais perto. É a santa mãe que outrora deu à luz e que, inconformada, devolverá o fruto crescido de seu ventre à escuridão. Não a escuridão primeira, do ventre quente. Mas a escuridão póstuma da terra fria. E, agora, além do desespero e da dor, sente a angústia de não poder dizer à mãe: “Estou aqui, ainda”. Ela não enxerga e não escuta. O esforço é em vão. Passado algum tempo, mais aglomeração. Todos choram a flor mutilada e despetalada, talvez ainda em botão, dentro da caixa de madeira escura. Ao lado, uma moça bonita e jovem. Olhos banhados, rosto inchado e a certeza, mais do que certa, de que o boomerang sempre volta e de que nem a morte estanca o sangue e a dor de quem sofre.