quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

ideal (i)moralidade

A rotina era louca, quase frenética, e os dias transcorriam sem paz. Assim Curitiba era o plano de fundo de uma vida repetitiva. Repetição difícil de carregar quando só se tem 20 anos. Faculdade, trabalho, casa. Na faculdade, amigos, rostos conhecidos e desconhecidos. Um ambiente que era meu e no qual sempre estive à vontade, gostava dali. Durante o correr do dia, um trabalho que era, até certo ponto, o que eu queria. Até certo ponto porque, aos 20 anos, é comum ainda termos ideais.

Ideais?! Entrei na faculdade de jornalismo aos 18 anos. Política por essência, crítica até onde não posso e uma paixão: a escrita. Aliás, nem tanto uma paixão. Mas, sim, uma grande necessidade. Muitos são os motivos que me fazem escrever e muitos são os momentos que me inspiram. Mas, quando pensei em “escrever jornalismo”, em falar a uma massa completamente desconhecida, pensei, sobretudo, em mudança. E quem, em plenos 18 anos, não pensou em mudar o mundo? O jornalismo era a ferramenta de acesso a um mundo que me indignava. E ainda me indigna. As palavras seriam como chaves para modificar aquilo que tanto me revoltava e angustiava. E que não deixou de revoltar e angustiar, ainda. Mas, como acontece com a maioria, sinto que começo a me acomodar. E isso, sim, me angustia mais do que qualquer outra coisa. Porque significa que estou começando a deixar meus sonhos adormecerem. E pode ser tarde quando eles resolverem despertar. Sonhos e idéias. Sempre carreguei muitos deles na “bagagem”. Sempre tive muito que falar, muito que pensar. Mas, o jornalismo não é tudo o que se pensa e tudo o que se pensa, por sua vez, nem sempre cabe no jornalismo. E tampouco é aplicável a uma realidade, mais do que real. Descobrimos isso quando, por acidente ou crueldade inicial de um professor, nos damos conta de que seremos, somente, “mais alguns”. Mais uma turma que se formará, mais profissionais que disputarão uma vaga num mercado abarrotado, mais gente para conformar-se. Mais alguns dispostos a escrever o que alguém manda, afinal, é preciso sustentar-se. E aí você fica entre a cruz e a espada, pensando e se questionando: escrever o que quero e morrer de fome ou escrever o que mandam e viajar nas férias? Decisão difícil quando se nasce em classe (quase) média (quase) alta e se está habituada a um padrão, no mínimo, bem razoável.

No entanto, em decorrência da decisão pelo jornalismo (constantemente em pauta), muitas outras vieram. Ao optar por ser jornalista, passei, também, a entender a profissão escolhida como uma ferramenta para atingir novos ideais. Ideias e opiniões pessoais, é claro, mas que encontraram eco na voz e, por que não, no sofrimento de muitos outros iguais na diferença e no descompasso com as ordens sociais vigentes. Do meu “grande defeito”, fiz causa de luta e motivo de orgulho.

Aliás, o que é um “grande defeito”? Meu pouco repertório ou minha deficiente formação me indicam que não ter princípios éticos e morais, falta de escrúpulos e caráter são grandes defeitos. Mas, não. Isso a gente até releva, isso as pessoas entendem ou escondem embaixo do tapete. Hoje a vida privada é mais importante que a pública. Mais interessante é saber com quem eu durmo do que ler o expediente de algum órgão público e cuidar dos interesses que são de todos, comuns à vida de uma população que, infelizmente, não se identifica como tal, que não se entende como um “todo”. E aí eu pergunto: para que isso importa? Até que ponto saber o que eu faço dentro da vida que, creio eu, cabe somente a mim viver, é importante ou relevante? Vivo minha vida, levo meus dias. E é triste ou deprimente (para aqueles que insistem em saber e depreciar o que cabe ao privado) pensar que ainda há quem se feche em conceitos ultrapassados e irreais. É triste perceber que “respeito” é um conceito com diferentes pesos. Hoje, somos privados de direitos que deveriam ser universais. Não temos os mesmos direitos civis. E por quê? Muitos são os pretextos, modelos e justificativas. Num país onde todos os dias milhares de crianças crescem sem dignidade alguma, somos nós os imorais. Sim, claro, duas mães, um filho e nenhum pai (pelo menos conhecido). - Que modelo é esse?, perguntaria uma senhora, mãe e, quem sabe, até avó, socialmente respeitável, com vida estável e aposentadoria garantida, viúva e com direito a receber a pensão do marido morto e que, depois de ter, literalmente, pulado a cerca algumas vezes quando mais nova, veste-se de negro, vai à missa e reza, como se fosse melhor ou estivesse acima de mim, ou de tantos outros, eu diria, até mais dignos (no sentido real do que podemos entender por “dignidade”). A imoralidade bate à nossa porta todos os dias, porém não abro. E não abrirei. Quando eu abrir, estarei corroborando o preconceito que nos marginaliza. Estarei concordando com as normas que dizem a uma criança que é melhor não ter mãe do que ter duas, que é melhor crescer num modelo sem escrúpulos, sem moral, sem saúde, sem infância, sem comida. Por enquanto, dou minha cara a tapa e espero. Ainda há muito o que se pensar, ainda há muito o que mudar...

Um comentário:

Anônimo disse...

tem certeza que queria mesmo jornalismo?
voce poderia ter feito ciencias sociais...parece mais tua praia.
bom, ainda dá tempo. siga em frente.
boa sorte.
Lena